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Curitiba – Duvide do que você sabe sobre a Amazônia. Provavelmente boa parte desse conhecimento esteja contaminado por uma visão mítica, um dos principais problemas para o desenvolvimento da região. Essa é a principal mensagem da entrevista com o pesquisador Evaristo Eduardo de Miranda, chefe-geral da Embrapa Monitoramento por Satélite, que estará em Curitiba, na próxima quarta-feira, para dar uma palestra sobre a Amazônia e lançar o livro Quando o Amazonas corria para o Pacífico. Para ele, antes de defender apaixonadamente os temas da moda, é preciso conhecer um pouco mais sobre os dilemas da floresta.

Por que um livro sobre a formação da Amazônia?Evaristo de Miranda – Eu trabalho na Amazônia há 25 anos e, para mim, um dos maiores problemas da região, pior do que o desmatamento, é a desinformação. O livro tenta preencher essa lacuna, com uma linguagem de fácil leitura. Para defender a Amazônia é preciso conhecê-la bem, saber como evoluiu a sua biodiversidade, tudo o que os homens transformaram nela. Saber que não há praticamente nada de natural na Amazônia que não seja também cultural. A história política da região é pouco conhecida pelos professores, estudantes e intelectuais da população brasileira.

O livro não fala de hoje, acaba em 1750, quando a região é incorporada ao Brasil pelo Tratado de Madri. A Amazônia pertencia à Espanha e os portugueses desde o início se mobilizaram para defender e conquistar essa região, trocaram o Uruguai e as Filipinas por ela.

Por que o Rio Amazonas corria para o Pacífico?Quando a América do Sul era ainda uma grande ilha, o Rio Amazonas corria para o outro lado e desaguava no Equador. Ao observar o mapa da América do Sul é possível identificar uma boquinha para fora, onde o rio saía. Foi o Rio Amazonas que originou aquela formação geográfica. Depois os Andes começaram a subir e aí o rio começou a cortar as montanhas, mas chegou um momento em que não conseguia passar e voltou para trás. A América do Sul não tinha felinos, era uma fauna muito diferente, cheia de marsupiais. Há 2 milhões de anos, com o erguimento dos Andes e o istmo do Panamá, a América do Sul se uniu à América do Norte. O resultado foi a invasão da fauna da América do Norte no Sul, quando a onça desceu para o Brasil, entraram os felinos, entre outros animais. A nossa fauna invadiu também a América do Norte, os tatus chegaram aos Estados Unidos, símbolo do Texas. Em geral, no entanto, foi a fauna da América do Norte que dominou a América do Sul. As preguiças ainda estão subindo e já chegaram à Costa Rica, elas vão mais devagar (risos).

Quais são os principais erros cometidos no debate sobre a Amazônia e seus desafios? A Amazônia é o "pulmão do mundo"?No livro, eu não falo sobre isso. Mas existem muitos mitos atuais sobre a região. A Amazônia não é o pulmão do mundo, isso é um mito. O pulmão do mundo são os oceanos. A Amazônia não produz nada de oxigênio para o planeta, o que ela produz ela consome, está no equilíbrio, não dá contribuição alguma, é um erro técnico e não se deve ensinar isso às crianças nas escolas. A Amazônia também não é uma região desocupada. Você tem mais de 25 milhões de habitantes, das quais 70% das pessoas vivem em cidades. É o PIB regional que mais cresce no país. São realidades que as pessoas precisam conhecer. Muitos têm uma visão mítica da Amazônia, ficam debatendo sobre ela, mas não sabem do que estão falando.

Como você vê a ação de organizações não-governamentais (ONGs), como o Greenpeace?Elas têm ações muito desequilibradas. Gostaria que me apontassem algum desses grupos que estão fazendo uma campanha para que se refloreste metade da Europa. A Europa desmatou 99,7% do seu território.

Na minha opinião, se o grupo é europeu e luta pelo meio ambiente, com o mesmo vigor que ele não quer que se desmate aqui, onde nós mantemos 70% da mata primária, que ele exija a cobertura de pelo menos a metade, 50%, das florestas do continente dele. Por que ele não faz o mesmo esforço lá? Eu acho que isso desqualifica. Não que a causa não seja justa, não que eles não tenham razão. A resposta deles é: como reflorestar a metade da Europa? Nós temos pessoas, casas, cidades, agricultura. E eu respondo: o Brasil também.

Não critico no sentido das causas, muitas delas têm mérito e razão de ser, mas eu vejo um comportamento completamente hipócrita de quem não faz essa campanha nos seus países de origem. A Holanda está financiando muitas ONGs na Amazônia, por que ela não financia um trabalho para reflorestar 70% na Holanda? Qual o grupo holandês que está trabalhando nisso?

Isso é uma questão econômica?É uma questão econômica, política, social. Essa questão não pode se resolver assim, de maneira simplista. O Brasil incomoda, a agricultura brasileira incomoda. Outros países têm um passado negro de poluição, são os grandes desmatadores e têm uma competência de transferir essa culpa para o Brasil de uma maneira impressionante. E aqui todo mundo assume isso, entra nesse barco.

De novo eu digo, não é porque eles desmataram que nós devemos desmatar. Acho apenas muito desqualificada a imensa maioria de ONGs que têm esse tipo de militância. É diferente das organizações que trabalham com a conservação, em todos lugares do planeta. Mas a linha militância acho uma linha complexa, para não falar do obscurantismo que marca algumas delas, tentando impedir a ciência, atacando campos experimentais, destruindo a base científica e tecnológica do Brasil. Não estou falando de plantio, eles dificultam a pesquisa. É preciso examinar isso com um sentido crítico um pouco maior.

O que você daria de sugestão para o Ministério do Meio Ambiente?Eu acho que o Ministério do Meio Ambiente está fazendo a parte dele e conseguiu reduzir o desmatamento sensivelmente nos últimos dois anos. Quem não está fazendo são os outros ministérios. Assim como o MMA está reivindicando áreas para a preservação ambiental, o Ministério da Agricultura deveria estar estudando áreas para o desenvolvimento da agricultura, o ministério da energia deveria defender áreas para a produção de energia, e o Ministéio do Transporte, áreas estratégicas para o transporte e assim por diante. É preciso ter uma estratégia combinada e coordenada. Sem contar em uma postura mais visionária.

Serviço: palestra sobre o livro Quando o Amazonas corria para o Pacífico, com Evaristo Eduardo de Miranda, chefe-geral da Embrapa Monitoramento por Satélite, mestrado e doutorado em Ecologia pela Université des Science et Techniques du Languedoc, de Montpellier, França.Local: Tuca, na PUCPR.Data: 7 de março, às 19 horas.

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