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Trabalho

Construção civil abriga os novos escravos

Obras do Minha Casa, Minha Vida, em Curitiba: trabalhadores trazidos do Nordeste trabalhavam em condições degradantes | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
Obras do Minha Casa, Minha Vida, em Curitiba: trabalhadores trazidos do Nordeste trabalhavam em condições degradantes (Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo)
Operações resgataram 2.617 pessoas que trabalhavam em situação análoga à escravidão |

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Operações resgataram 2.617 pessoas que trabalhavam em situação análoga à escravidão

A escravidão foi abolida há 123 anos, mas ainda hoje brasileiros são obrigados a trabalhar em condições degradantes. No ano passado, 2.617 pessoas foram resgatadas em operações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para erradicação do trabalho escravo – o equivalente a sete pessoas por dia. Cento e vinte casos ocorreram no Paraná.No campo, as plantações de cana-de-açúcar e erva-mate, e a extração de madeira ou carvão respondem pela exploração da mão de obra. Nas cidades, os novos escravos estão na construção civil e na produção têxtil. Em Curitiba, condições semelhantes à escravidão foram encontradas em obras financiadas pelo programa federal Minha Casa, Minha Vida.

O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria e da Construção Civil de Curitiba e Região Metro­po­litana (Sintracon) fez duas fiscalizações neste ano em construções bancadas pelo governo. Os fiscais descobriram trabalhadores trazidos do Maranhão e do Piauí instalados em abrigos, onde ficavam amontoados e sem condições de higiene.

O Ministério Público do Tra­­balho do Paraná recebeu em 2011 ao menos quatro denúncias de trabalho degradante na cons­­trução civil na região da capital. Segundo o procurador Luercy Lino Lopes, há outros casos de trabalhadores que foram aliciados no Nordeste com falsas promessas. Os problemas vão desde a má qualidade da comida ofertada e a falta de equipamentos de proteção individual até jornadas diárias de trabalho que ultrapassam 10 horas sem pagamento de hora extra. "É um quadro de verdadeira degradância, com o avil­­tamento da dignidade", diz o procurador.

Quando o trabalhador é encon­­trado nessa condição, é feita sua retirada, com rescisão indireta dos contratos e pagamento das indenizações, verbas trabalhistas e retorno ao local de origem. Pelo artigo 149 do Código Penal, o empregador pode ser punido à reclusão de dois a oito anos. Também podem ser somados ao artigo 149, a frustração de direitos trabalhistas, apropriação indébita previdenciária e estelionato. Além disso, as empresas são inscritas na lista suja do Ministério do Trabalho, sendo impedidas de garantir financiamento do governo federal. Hoje, cerca de 120 empregadores cons­­tam nessa lista.

Lopes ressalta que, em muitas situações, as construtoras culpam empresas terceirizadas contratadas para executar o serviço. "Insis­­timos na formalização direta dos contratos de trabalho com esses empreiteiros/tomadores e, relativamente às empresas que se recusam a ajustar tal conduta, ajuizamos ações civis públicas, buscando no Poder Judiciário a responsabilização direta dessas empresas", diz. Quem geralmente assume a responsabilidade pelas verbas referentes ao resgate, é a construtora ou empreiteira principal.

Aliciamento

De acordo com o superintendente substituto do Tribunal Regional do Trabalho, Elias Martins, as fiscalizações são realizadas pela Secretaria de Inspeção do Traba­­lho, em equipes compostas por auditores e um procurador, com a proteção da Polícia Federal. O planejamento das operações é feito com base em denúncias. Segundo ele, são constantes as denúncias de "importação" de mão de obra para a construção civil. Nessas situações, existe sempre a figura do aliciador. "Ele cobra para trazer as pessoas", afirma. Martins ressalta, contudo, que nem todos os casos se configuram como trabalho escravo. "Muitas vezes, a situação é precária, mas não análoga à escravidão" diz.

Segundo a Organização Inter­­na­­cional do Trabalho (OIT), o conceito atual de escravidão exige a ocorrência de uma destas três situações: apreensão de documentos; presença de guardas armados no trabalho; e a criação de dívidas ilegais. Mas casos de semi escravidão são muito comuns.

Caixa

Segundo o Ministério das Cida­des, a responsabilidade pelo acom­panhamento das obras do Minha Casa, Minha Vida é da Caixa Econômica Federal. Por e-mail, a CEF informou que solicita os documentos necessários às construtoras responsáveis para validar as obras. A instituição ainda afirma que prevê, por contrato, o cumprimento de exigências sociais, econômicas e ambientais.

Empresas negam trabalho degradante

Denunciadas pelo Sintracon, as construtoras AM5 e Veloso negam a ocorrência de trabalho análogo à escravidão ou em condições degradantes nas obras que tocam do programa Minha Casa, Minha Vida. Am­­bas alegam contratar funcionários de outros estados em razão da falta de mão-de-obra no aquecido mercado da construção civil. Advogada da Veloso, Mariana Onofre confirma que a empresa assinou um Termo de Ajus­­ta­­mento de Conduta (TAC) e que, dos cerca de 100 funcionários do Maranhão e Piauí, apenas sete permanecem na empresa por interesse próprio. Os demais tiveram suas rescisões pagas e voltaram ao local de origem.

A AM5 vê com "constrangimento a crítica formulada pelo sindicato, pois estamos no mercado há 32 anos, sem ter enfrentado esse tipo de problema", informou a empresa em e-mail enviado à Gazeta do Povo pelo engenheiro civil Mateus Murad. A empresa informa que os alojamentos da empresa atendem as condições exigidas pelo Ministério do Trabalho. Con­­forme Murad, os trabalhadores são contratados conforme a disponibilidade. "Se existem em­­pregados de outros estados é porque migraram em busca de me­­lhores condições de trabalho e renda", diz. Na avaliação de Mariana, a falta de higiene encontrada pelo Sin­­tracon é reflexo da junção de vários homens com hábitos diferentes sob o mesmo teto. "Agora, os trabalhadores estão sujeitos às regras de higiene elaboradas por um técnico em segurança. A empresa tomou a rédea da situação", afirma.

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