As más condições de moradia e saneamento básico enfrentadas por pelo menos 28 famílias do Jardim Primavera (zona norte de Londrina, Norte do Paraná) têm sua origem escondida debaixo da terra. As casas, construídas há no máximo três anos, estão sobre uma laje formação de placa rochosa que beira a superfície do solo e apresentam problemas de infiltração, rachaduras e umidade nas paredes.
Não há rede coletora de esgoto e algumas das fossas têm pouco mais de meio metro de profundidade, enchem rapidamente e chegam a transbordar. As casas que apresentaram os problemas foram erguidas pelo construtor Jorge Takahashi e correspondem à quadra 2 do loteamento, exatamente onde estão as únicas ruas não-abrangidas pela rede coletora de esgoto da Sanepar.
A Promotoria do Meio Ambiente de Londrina atualmente providencia um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Companhia de Habitação (Cohab) por ter verificado a presença de uma nascente onde seriam erguidas casas populares, na quadra 7, do Jardim Primavera, próxima à divisa com a quadra 2. A nascente não tinha sido identificada na autorização daquele loteamento.
Ossamu Kaminagakura, diretor de Loteamentos da Secretaria Municipal de Obras, não descarta a possibilidade de ter ocorrido erro técnico no teste de sondagem e, segundo ele, a responsabilidade pela falha seria da loteadora. "Uma vez apresentado o teste de sondagem, acatamos o documento apresentado. É como se fosse uma receita médica: o farmacêutico vende o remédio sem questionar o médico", comparou.
Loteado pela empresa Sena Construções, o Jardim Primavera foi licenciado pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e posteriormente autorizado pela Secretaria Municipal de Obras em 30 de dezembro de 1997, quando a legislação de uso e ocupação do solo não exigia a instalação da rede coletora de esgoto para aprovação de novos loteamentos.
A rede de esgoto, neste ano, chegou às linhas divisórias da quadra 2, no próprio Jardim Primavera, num conjunto habitacional que está sendo construído pela Cohab para assentar famílias que ocupavam a Área de Preservação Permanente (APP) do Córrego Sem Dúvida.
Segundo Sérgio Balhs, diretor regional da Sanepar em Londrina, não há previsão da rede coletora chegar ao local, mas, com a reivindicação dos moradores ou da Prefeitura, é possível avaliar tecnicamente a viabilidade de sua instalação. Ele não soube explicar porque ainda não foi feito o estudo.
Documento com análise do solo não foi encontrado
O JL acompanhou em visita ao local o ambientalista João Batista Moreira Souza, o João das Águas. Ele constatou, em um terreno baldio a poucos metros das casas, a existência de uma área de várzea e afloramento de rochas: formação típica de nascentes.
O solo da região, localizada no alto da bacia hidrográfica do Córrego Sem Dúvida, não tem capacidade de absorver a água da chuva, em função da laje próxima à superfície. "As fossas estão em local inadequado por causa do solo raso e contaminam o aqüífero freático", afirmou João das Águas.
A Promotora do Meio Ambiente, Solange Vicentin, destacou a necessidade de avaliar o teste de sondagem de profundidade do solo, que tem de ser apresentado como requisito para aprovação do loteamento.
O teste deveria ter indicado a presença das rochas e mostrado a inviabilidade da construção de fossas. Porém, o documento não foi encontrado no processo de autorização do loteamento junto ao Instituto de Planejamento Urbano de Londrina (Ippul), nem na Secretaria de Obras.
Procurada pela reportagem do JL, a loteadora Sena Construções também negou ter o documento. O diretor da empresa, Max Lobato Sales, confirma a existência do afloramento de rochas na região, mas disse que "fazer casa em cima de pedra não é problema", já que "a técnica de engenharia resolve em cima da rocha ou em cima da terra".
Famílias se mobilizam para exigir solução dos problemas
Pelo menos 28 famílias do Jardim Primavera decidiram se unir e reivindicam uma solução para os problemas recorrentes no loteamento. "Em fevereiro deste ano, eu estava grávida e a minha casa ficou completamente alagada", conta indignada Marina Silva, moradora de uma das casas. "Meu filho mais velho piorou da bronquite com a umidade da parede", completa.
Os terrenos, de cerca de 200 metros quadrados, foram loteados em 1998 pela Sena Construções, com autorização da Prefeitura. Parte desses terrenos foi entregue como pagamento ao criador de cavalos Jorge Kazuo Takahashi, que em 2005 construiu 30 casas, na média com 50 metros quadrados de área construída.
Após ter a autorização, o "habite-se", expedida pela Secretaria de Obras, Takahashi colocou as casas à venda. Todos os compradores financiaram o negócio com empréstimo da Caixa Econômica e apontam o criador de cavalos, responsável pelas construções, como um dos culpados pelas más condições dos imóveis.
Takahashi afirmou que nunca fugiu do problema. "No começo, eu dei todo apoio que podia, ia nas casas verificar com o pedreiro, corrigia alguma imperfeição, mas o problema da falta de infiltração dos terrenos e da fossa eu não tenho como resolver", justificou.
Os moradores fizeram abaixo-assinado e entregaram na Caixa. O documento também será levado à Sanepar e ao Ministério Público.
Esgoto é ligado ao bueiro
O "jeitinho" encontrado para evitar, inutilmente, o esgotamento das fossas rasas, agravou ainda mais a situação ambiental do Jardim Primavera. As casas da Rua João Esteves, que estão entre as moradias com problema, apresentam ligação irregular do encanamento da cozinha, tanque e chuveiro às galerias pluviais, que deveriam apenas direcionar a água da chuva. Segundo os moradores, as ligações são anteriores à entrada deles no imóvel e teriam sido feitas no momento da construção.
Os únicos dois bueiros da rua, direcionados ao Córrego Sem Dúvida, estão entupidos, cheios de dejetos. Segundo a moradora Gislaine Domingues, cuja casa tem a fossa ligada diretamente ao bueiro, a instalação da tubulação foi feita por Jorge Takahashi, construtor do imóvel. "Fui reclamar que a fossa tinha transbordado e ele veio junto e orientou o pedreiro a pôr os tubos de ligação com o bueiro", afirma Gislaine. A vizinha de Gislaine, Regiane Aparecida da Silva, conta que, em fevereiro de 2006, época de muitas chuvas, começou a brotar água no quintal e na calçada. "Achamos que era vazamento, a Sanepar veio, abriu um buraco na calçada e fechou sem resolver. Agora a gente sabe que toda vez que chove aparece um monte de minas e não seca", revela. "E a Sanepar disse que não pode passar rede de esgoto por causa da laje", complementa a vizinha.
Jorge Kazuo Takahashi, que construiu as casas, alegou desconhecer qualquer ligação irregular na galeria de águas pluviais, apesar de reconhecer que "no começo, ia com o pedreiro tentar resolver o problema dos moradores".
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura
Soraya Thronicke quer regulamentação do cigarro eletrônico; Girão e Malta criticam
Relator defende reforma do Código Civil em temas de família e propriedade
Dia das Mães foi criado em homenagem a mulher que lutou contra a mortalidade infantil; conheça a origem
Rotina de mães que permanecem em casa com seus filhos é igualmente desafiadora