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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou os resultados de uma consulta pública sobre a determinação de 2009 que proíbe a comercialização de cigarros eletrônicos no Brasil. Os dados serão incluídos em um estudo técnico sobre a possível revogação da norma.
A agência recebeu quase 14 mil contribuições, 98% delas de pessoas físicas. Do total, 59% afirmaram ter “outra opinião” sobre a norma que proíbe cigarros eletrônicos, 37% concordam que a regra seja mantida como está e outros 4% não responderam. Sobre os impactos da norma em vigor, 58% afirmam que são negativos, 37% positivos e 5% apontaram pontos positivos e negativos.
O levantamento foi realizado entre os dias 12 de dezembro de 2023 e 9 de fevereiro de 2024, e não há prazo para um posicionamento da Anvisa.
Os argumentos a favor e contra a legalização
Ao longo da década passada, surgiram em outros países pesquisas a respeito da possibilidade de utilizar os cigarros eletrônicos como uma estratégia de redução de danos, considerando que parte expressiva das substâncias potencialmente cancerígenas de um cigarro tradicional são emitidas a partir da queima do cigarro a temperaturas que alcançam 950°C – a vaporização de um líquido contendo nicotina minimizaria as chances de desenvolver tumores.
No Reino Unido, onde os modelos eletrônicos são utilizados como medida de saúde pública para pacientes que não conseguem abandonar os cigarros tradicionais, o Departamento de Saúde Pública identificou uma queda na taxa de tabagismo, de 16% para 11%. E concluiu em 2015 que os aparelhos podem ser até 95% menos prejudiciais do que os cigarros industrializados convencionais. Por outro lado, nos Estados Unidos, onde a comercialização também é autorizada e regulamentada, foi identificada em 2019 o Evali, uma nova modalidade de lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico adulterado.
O tema gera debates acirrados. Parte das associações médicas do Brasil é contrária à liberação da comercialização, alegando que estes produtos atraem um consumidor jovem e continuam entregando nicotina, uma droga viciante. “O Brasil teve um resultado extremamente positivo na redução do número de fumantes. O Brasil tinha aproximadamente 40% de fumantes até mais ou menos 25 anos atrás, e hoje a taxa passa um pouco de 10%”, afirma Margareth Dalcolmo, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
“Os cigarros eletrônicos são mais nocivos para a população, sobretudo jovens, adolescentes e até crianças. Não há controle da concentração de nicotina, que é a substância química mais viciante. São centenas de outras substâncias químicas odorizantes, flavorizantes. É uma ameaça à saúde de jovens e crianças”, afirma Dalcolmo.
Para médicos como Rodolfo Behrsin, médico pneumologista, por outro lado, a proibição não é o melhor caminho. “A proibição pura e simples não funciona, os cigarros eletrônicos podem ser comprados em qualquer lugar do Brasil”, alega. “A Suécia implementou um programa de distribuição de dispositivos sem combustão de consumo de nicotina. O resultado, em aproximadamente uma década de programa, foi a redução de 40% nos casos de câncer tabaco relacionados e de 38% na mortalidade geral por câncer. Está próximo de ser considerado um país livre de tabaco, que é quando menos de 5% da população fuma tabaco”.
A nicotina não é a substância mais tóxica do cigarro, ainda que seja a responsável pela geração da dependência e pela sensação de prazer. “A ideia na redução de danos é reduzir as substâncias tóxicas, considerando que o cigarro eletrônico não é totalmente inocente”, diz Behrsin. O ideal é não usar cigarro algum, alega ele. Mas aproximadamente 20 milhões de brasileiros fumam. “Temos que ser pragmáticos. Muitas pessoas não querem ou não conseguem parar. E o cigarro eletrônico representa uma estratégia viável de redução de risco, adotada em mais de 80 países.”
Mudança pode ocorrer por projeto de lei
Outra possibilidade de debater o tema é via Congresso Nacional. Recentemente, chegou ao Senado um projeto da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que prevê a regulamentação dos cigarros eletrônicos no Brasil. A proposta foi apresentada depois da realização de uma audiência pública realizada em setembro para debater a questão. O projeto inclui uma estimativa de que a proibição impede uma arrecadação de impostos da ordem de R$ 5 bilhões por ano.
Para a senadora, a regulamentação também seria importante pelo aumento do número de usuários de produtos que hoje são comercializados de forma clandestina e sem controle sanitário.
"Assim, a posição brasileira de simplesmente proibir a comercialização, a importação e a propaganda é o mesmo que tapar o sol com a peneira. A utilização dos cigarros eletrônicos é crescente e seus usuários não recebem nenhum tipo de proteção ou orientação por parte do Estado", diz a senadora na justificativa da proposta. Caso o texto seja aprovado, a medida obrigaria a Anvisa a monitorar a atuação da indústria.
Nesta quarta-feira (13), o plenário do Senado aprovou um requerimento do senador Eduardo Girão (Novo-CE) para a realização de uma sessão de debates sobre o tema, ainda sem data marcada.
A visão da indústria
Lauro Anhezini Junior, chefe de assuntos científicos e regulatórios da BAT Brasil, argumenta que a indústria é favorável à regulamentação, de forma que o consumidor não dependa exclusivamente do contrabando. “Somos uma indústria que evoluiu, como tantas outras. Temos ciência bem desenvolvida, revisada por pares publicada em revista cientificas. Defendemos o consumo responsável, para maiores de 18 anos, e a proibição de sabores como apelo para menores.”
Para ele, surgidos há duas décadas, os cigarros eletrônicos representam um “nível de segurança elevado”, desde que o consumidor saiba o que está comprando. “A situação atual é que a Anvisa faz de conta que proíbe e a população faz de conta que acredita.”
Junior considera o projeto da senadora Thronicke bem resolvido na direção de garantir o acesso a produtos seguros. “No dia em que a comercialização for autorizada, estamos prontos para pedir o registro de produtos seguros, que, no Reino Unido, já representaram a economia de 300 bilhões de libras em gastos com saúde pública.”