Em março, compradores de mais de 450 apartamentos foram surpreendidos pelo embargo do condomínio Parque das Nações Europa, em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. A decisão de caráter liminar da 11.ª Vara Federal da capital acatava pedido do Ministério Público do Paraná (MP) diante da constatação de que as 624 unidades residenciais e 58 salas comerciais haviam sido construídas sobre áreas de mananciais.
Pode vender?
Legalmente, não, diz o advogado César Alexandre Marques. A suspensão do alvará é inscrita na matrícula do imóvel, tornando a sua comercialização ilícita.
Lastro da empresa e patrimônio de aceitação: especialista orienta consumidor
O advogado especialista em direito imobiliário Giuliano Gobbo pondera que a compra de imóveis na planta está sujeita ao risco de embargos e, portanto, cabe ao comprador não apenas ter ciência do risco como precaver-se.
O advogado aconselha procurar por informações sobre a incorporadora ou construtora responsável pela obra e conferir o lastro da empresa antes de fechar qualquer negócio. “Procure se informar sobre a empresa, se há reclamações em relação a outros empreendimentos, se costuma cumprir prazos de entrega. É interessante também pesquisar se o projeto não está em desacordo com nenhuma legislação, se possui todos os alvarás e licenças.”
Outra dica de Gobbo é verificar se a incorporadora é adepta do “patrimônio de aceitação”. Trata-se de um registro na matrícula do terreno que o vincula ao empreendimento. Por meio desse instituto, a incorporadora se compromete a utilizar todos os recebimentos de venda do empreendimento em benefício do próprio empreendimento. Em outras palavras, é uma garantia de que tudo o que for arrecadado com a venda das unidades será utilizado para a construção das mesmas.
No início desse mês, no entanto, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região derrubou o embargo, entendendo que a suspensão das obras em fase de acabamento não contribuiria para minimizar danos ambientais já ocorridos. Entretanto, como ainda cabe recurso, o vai-e-vem jurídico pode estar longe do fim e os compradores, que já desembolsaram uma parte do valor do imóvel e continuam a pagar juros de financiamento, não sabem quando terão as chaves em mãos.
Anne Caroline de Cirilo vive a angústia de adiar o sonho da casa própria desde dezembro de 2014, quando todos os prazos de entrega firmados em contrato venceram e ainda não havia previsão de conclusão da obra. O embargo do conjunto habitacional potencializou a preocupação e aumentou as dúvidas sobre o que fazer para minimizar os prejuízos.
“Assinamos o contrato com a incorporadora em 2012, com prazo de entrega para junho de 2014, prorrogável até dezembro. Conseguimos o financiamento em abril de 2013 e desde então pagamos todos os meses os juros da obra, que é um dinheiro perdido, pois não é abatido depois. A entrega já está atrasada. Agora com o embargo, não sabemos se e quando poderemos mudar. Enquanto isso, continuamos morando de favor”, conta.
Grupo J.Malucelli nega relação com empreendimento
O Grupo J.Malucelli negou qualquer vinculação com a J.Malucelli Imóveis, à qual muitos compradores de unidades do Parque das Nações Europa atribuem a comercialização dos imóveis. Em nota, o Grupo esclareceu ainda não ter nenhuma participação no empreendimento Parque das Nações Europa e relações com as seguintes empresas: Amaral Imóveis Ltda., Fórmula Empreendimentos Imobiliários Ltda., Vista Alegre Participações Ltda. e EMEC Incorporadora e Construtora de Obras Ltda..
Em vista das várias denúncias de compradores de que a empresa responsável pela venda das unidades teria oferecido e negociado os imóveis como J.Malucelli Imóveis, o Grupo J.Malucelli informou ainda estar avaliando as medidas para proteção do direito de uso do nome “J.Malucelli” e que os responsáveis pela utilização indevida do nome e marca já foram notificados.
A reportagem questionou a EMEC sobre a apresentação do conjunto habitacional como empreendimento do Grupo J.Malucelli. O representante da empresa, Pedro Paulo Tisse, negou que a empresa tenha feito uso do nome para comercializar unidades.
O advogado especialista em relações de consumo e direito imobiliário César Alexandre Marques explica que o consumidor tem duas opções. A primeira é desistir do imóvel e buscar, administrativa e judicialmente, a rescisão contratual. “Embora a decisão ainda seja liminar, o consumidor já é vítima. Se ele não quiser mais o imóvel, pode buscar na Justiça a rescisão dos contratos com a incorporadora e com o banco, caso tenha financiado, e solicitar a devolução de todos os valores pagos até o momento devidamente corrigidos.”
Se o comprador optar por aguardar o desfecho, é aconselhável que solicite a suspensão do pagamento das parcelas de financiamento por vencer, pois os contratos assinados continuam em vigor e tanto a incorporadora quanto a instituição bancária financiadora vão exigir os pagamentos mensais.
“O comprador pode pleitear a interrupção dos pagamentos e o retorno condicionado ao fim do embargo sob a alegação de que está pagando por um imóvel com destino incerto. Deve fazer isso até mesmo para não ser considerado inadimplente”, explica. A rescisão, tanto do contrato com a incorporadora quanto com a instituição bancária, fica livre de multas.
Segundo Marques, ações desse tipo costumam ser demoradas, mas a probabilidade de o consumidor ganhar é grande, uma vez que a Justiça entende que ele não deve assumir o ônus do embargo, uma vez que não tem responsabilidade alguma sobre a obra. “Não é uma decisão pacífica, mas os tribunais costumam avaliar qual é a finalidade da aquisição do imóvel e os prejuízos causados pelo embargo. Se a finalidade da compra for moradia e o comprador tiver que pagar aluguel enquanto arca também com as parcelas do financiamento, por exemplo, a justiça tende a atender o pedido do consumidor.”
Embargo não é quebra de contrato
Antes de iniciar uma batalha na Justiça, o advogado Giuliano Gobbo, presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Paraná (OAB-PR), aconselha que o comprador esgote as tratativas na esfera administrativa, diretamente com a incorporadora. Ele também lembra que o consumidor deve aguardar o fim de todos os prazos firmados – o contrato costuma prever um prazo para a entrega do imóvel e mais um prazo de carência, usualmente de seis meses.
Gobbo explica que o embargo não implica descumprimento do contrato por parte da incorporadora – pelo menos não até que se prove que a empresa agiu de má fé e tem culpa pelo embargo. Por isso, ele aconselha que se esgotem as tratativas na esfera administrativa antes de se recorrer à Justiça. “A incorporadora pode cumprir as exigências feitas pela Justiça e conseguir cumprir o contrato. O problema começa quando os prazos de entrega da obra vencem. Se a entrega não acontecer dentro do prazo, o consumidor pode negociar a suspensão dos pagamentos até que a obra seja retomada ou pedir a rescisão do contrato. Porém, se a rescisão acontecer enquanto não houver vencido o prazo previsto em contrato, o comprador têm de pagar as multas.”
Decisão favorável não garante ressarcimento ao comprador
Embora ações desse tipo possam demorar anos até que se chegue a um desfecho, os advogados especialistas em direito imobiliário Giuliano Gobbo e César Alexandre Marques concordam que as incorporadoras e construtoras geralmente são responsabilizadas pelos danos.
“Se a Justiça decidir que não existe possibilidade de o imóvel ser construído, ou se determinar que ele seja demolido, é garantido aos compradores o ressarcimento e o ônus da indenização é da empresa”, explica Gobbo.
A diretora do Procon Paraná, Claudia Silvano, faz coro: todo prejuízo do consumidor, seja material ou moral, há de ser indenizado.
“Se existe prejuízo, a relação de consumo faz recair a responsabilidade sobre a incorporadora ou construtora, que foi quem vendeu. Depois, a empresa pode buscar seus direitos também. Já o consumidor, mesmo que não desista do imóvel, pode pedir ressarcimento de todas as despesas que teve enquanto a obra estava embargada, como aluguel e juros de financiamento.”
Possibilidade de falência
A decisão judicial favorável, no entanto, não garante que os compradores terão o dinheiro já investido em mãos novamente. Isso pode acontecer caso a empresa não tenha condições de devolver o dinheiro e declare falência.
“Se for constatado que a empresa cometeu algum crime, os sócios podem responder pelo seu patrimônio. Mas se for provado que não houve dolo e que a empresa não possui patrimônio para suprir o passivo do débito, a massa falida não paga nada aos credores”, esclarece Marques.
Outro lado
Às incorporadoras e construtoras que também tenham sido prejudicadas pelo embargo, uma vez que em muitos casos dão início às obras de posse de todas as licenças ambientais e alvarás municipais exigidos por lei, cabe buscar reparação em face aos órgãos públicos envolvidos.
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