Há 14 anos, O. P., descobriu um câncer na garganta e teve de se submeter a uma laringectomia total. Vitorioso contra a doença, iniciou um longo processo de adaptação para aprender a se comunicar sem usar a fala. Novamente, se saiu bem. Os problemas, conta, aparecem quando ele precisa utilizar serviços de atendimento disponibilizados por um sem-fim de empresas – bancos, telefônicas, operadoras de cartão de crédito e planos de saúde. Esclarecer dúvidas, registrar queixas e negociar pacotes de serviços tornou-se um tormento.
Inclusão
A Lei Brasileira de Inclusão (13.146) foi sancionada em julho de 2015. As instituições públicas e privadas têm seis meses para se adaptarem – o dispositivo entra em vigor no dia 2 de janeiro de 2016. Veja o que diz a lei:
Sites
Passa a ser obrigatória a acessibilidade nos sites mantidos por empresas com sede no Brasil e por órgãos de governo – isso significa que as informações divulgadas no endereço devem ser acessíveis conforme as diretrizes adotadas internacionalmente, com opções de contraste, áudios e vídeos.
Telefonia
A lei também determina que empresas prestadoras de serviços de telecomunicações garantam pleno acesso à pessoa com deficiência – isso inclui recursos como disponibilizar demonstrativo de pagamentos em braile e canais de comunicação adequados para atender consumidores com deficiência visual, auditiva ou de fala.
TV
Serviços de radiodifusão de sons e imagens devem possibilitar o uso de recursos como a subtitulação por meio de legenda oculta, janela com intérprete de libras e audiodescrição.
Comércio
Caberá aos fornecedores de produtos ou serviços disponibilizar os recursos de acessibilidade para que anúncios publicitários veiculados na mídia impressa, na internet, na rádio e na televisão sejam compreensíveis para todos os consumidores. Também é dever do fornecedor oferecer exemplares de bulas, prospectos, textos ou qualquer outro tipo de material de divulgação em formato acessível mediante solicitação do consumidor.
Tecnologia
Outra boa novidade para todos os brasileiros com deficiência é a previsão de acesso facilitado a produtos, recursos e serviços de tecnologia assistiva que maximizem sua autonomia e mobilidade pessoal. Para implementar isso, a lei prevê a oferta de linhas de crédito subsidiadas para aquisição dos recursos, reduzir a tributação da tecnologia assistiva e agilizar a inclusão de novos recursos no rol de produtos distribuídos pelo SUS.
“Não consigo resolver minhas necessidades, pois as empresas não disponibilizam outros meios de comunicação que não seja o telefone. Se eu não pedir para que outra pessoa me represente ou se passe por mim, fico sem solução”, conta. O. diz se sentir isolado, desassistido e constrangido, pois mesmo quando a esposa explica a situação ao atendente, nenhuma alternativa é oferecida.
Os problemas enfrentados por O. não são raridade, embora a legislação brasileira garanta acessibilidade na oferta e prestação de produtos e serviços para pessoas com deficiência, e revelam a invisibilidade enfrentada por um público consumidor cada vez mais ativo e com alto potencial de consumo – o das pessoas com deficiência (PcD).
Na avaliação de Andrea Koppe, presidente da Universidade Livre para a Eficiência Humana (Unilehu), Ong que já promoveu a empregabilidade de mais de cinco mil PcD em Curitiba e Região Metropolitana, as dificuldades encontradas por esses consumidores são reflexo da visão assistencialista que ainda vigora entre as empresas.
Ela lembra que durante muitos anos PcD encontravam resistência no mercado de trabalho e, assim, não possuíam crédito para consumir. O cenário mudou significativamente desde a aprovação da Lei das Cotas, que possibilitou o ingresso desses trabalhadores no mercado.
“A PcD ainda não é considerada um consumidor, ainda é vista como aquela pessoa que recebe ajuda, assistência, e nunca como sujeito ativo, que tem renda, que pode e quer comprar. Hoje vivemos um fenômeno contraditório, em que esse público têm dinheiro e condições de consumo, mas não têm acesso aos produtos e serviços.”
Entre os desafios de consumo relatados por PcD, elenca Andrea, estão a dificuldade encontrada na comunicação entre consumidor e fornecedor, porque não há funcionários intérpretes de libras; e a falta de equipamentos e recursos que possibilitem a autonomia do consumidor ao utilizar um serviço – como manuais de instrução em braile; oferta de telefones, chats ou áudios próprios para surdos-mudos ou de caixas-eletrônicos com painéis em braile.
Para Andrea, falta interesse do mercado em cumprir o que uma série de dispositivos legais já exige. “As empresas não priorizam esse consumidor, mas as soluções já existem e não são custosas. O mercado ainda não percebeu o potencial dessas pessoas enquanto clientes. Produtos e serviços para PcD não são assistencialismo, são direitos previstos em lei e, em última instância, são mercado, negócios”, disse.
Informação acessível é direito básico
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) protege os direitos de todos os consumidores, porém, não mencionava explicitamente o consumidor com deficiência. Com a nova Lei Brasileira de Inclusão, o CDC sofreu alterações que ampliam as garantias desse público.
O direito básico à informação sobre produtos e serviços – com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos – agora é garantido também às pessoas com deficiência (Artigo 6º, parágrafo único).
Também foi alterado o artigo 43, que trata do acesso às informações em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele. Um novo inciso estabelece que todas as informações devem ser disponibilizadas em formatos acessíveis para a pessoa com deficiência, mediante solicitação do próprio consumidor.
Potencial de consumo
Segundo dados do IBGE (Censo 2010), o Brasil possui 46 milhões de pessoas com alguma deficiência intelectual, motora, visual ou auditiva, o equivalente a 24% da população – em 2000, essa parcela de brasileiros correspondia a apenas 14%. O mercado de bens e serviços de tecnologia assistiva tem faturamento anual de R$ 5,5 bilhões. Os dados são do Grupo Cipa Fiera Milano, responsável pela Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade, e mostram que 42% desses consumidores são das classes A e B; 44% da classe C e 14% das classes D e E.
Desenho universal
O conceito diz respeito à forma de conceber produtos, meios de comunicação, serviços e ambientes para serem utilizados por todas as pessoas, durante o maior tempo possível, sem necessidade de adaptação. São pressupostos do desenho universal: flexibilidade no uso; utilização simples e intuitiva; equiparação nas possibilidades de uso – ou seja, tanto pessoas com deficiência como pessoas sem deficiência podem utilizar o mesmo produto ou serviço sem diferenciação. Consumidores com deficiência garantem que não anseiam por produtos diferenciados, e sim pelo acesso ao que é oferecido aos demais consumidores. Para isso, não basta que a empresa disponibilize apenas alguns modelos de seus produtos com opções para PcD – como micro-ondas com painel braile ou síntese de voz.