Na manhã deste sábado (18), um dia após a deflagração da Operação Carne Fraca, o clima nos açougues e comércios de Curitiba era de apreensão. No geral, os consumidores continuam recorrendo a seus estabelecimentos de confiança – e não há muito a fazer se não isso mesmo –, mas o sentimento de desconfiança e principalmente de decepção com as grandes empresas citadas pelas investigações é grande. “A sensação é muito ruim. E a nossa confiança nesse país já está bastante abalada, né? Se não podemos confiar nessas marcas que sempre confiamos, o que vamos fazer?”, disse a arquiteta Isabela Paiva, que estava acompanhada do marido, Marco Paiva, no açougue Domakoski, no bairro Bigorrilho.
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Um dos açougueiros do estabelecimento, Claudio Cordeiro, falou com a reportagem sobre os cuidados que o Domakaski toma em relação às carnes que recebe. “São vários cuidados. Medimos a temperatura nos caminhões que chegam aqui, analisamos a aparência da carne. Como as peças chegam inteiras e nós mesmos cortamos para os clientes e/ou embalamos à vácuo, a análise é precisa”. Ele disse à reportagem que o estabelecimento não recebe matéria-prima de nenhum dos citados até agora pela Operação Carne Fraca.
Mesmo nos estabelecimentos que recebem, porém, é o cuidado local que vai fazer a diferença. A BRF e a JBS são empresas gigantescas e que fornecem para o país todo. Dificilmente um estabelecimento de uma cidade não receberá nenhum produtos dessas duas empresas ou de suas marcas. Mas é preciso confiar que os estabelecimentos que vendem esses produtos farão a triagem necessária. “Eu recomendei o meu açougue para o meu vizinho, que está acostumado a comprar em vários supermercados e está bastante abalado com as notícias. Nesses lugares [ mais especializados] o cuidado é maior, o giro [da mercadoria] é grande, então eu acredito que as chances de encontrar algo errado são bem menores”, disse Marcelo Franco, diretor do Teatro Positivo e cliente do Domakoski. “Eu apostaria, inclusive, que essa escândalo vai abalar as exportações e que, nos próximos meses, o preço da carne vai até cair [no mercado interno] E daí o cuidado [do consumidor] vai ter que ser até maior”.
Na KF Carnes, outro estabelecimento tradicional da cidade, no Vila Izabel, o movimento nesta manhã de sábado (18) era normal. O gerente operacional Celso Lara conversou com a reportagem da Gazeta do Povo, explicou como o controle de qualidade é rigoroso e a importância de ter vários fornecedores. “Observamos a aparência; a temperatura dos caminhões de transporte; as datas de validade. Enfim, o cuidado é grande e quem não tem uma variedade de fornecedores fica numa situação difícil”. A KF tem entre as suas dezenas de fornecedores algumas das linhas premium da JBS. “Não são carnes para reaproveitamento [usadas para produtos industrializados]. São carnes que chegam inteiras e isso facilita a [nossa] análise”, esclarece Celso. Para ele, estabelecimentos tradicionais tendem a ganhar com essa crise de desconfiança com as grandes marcas.
Em nota publicada em seu site, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) disse que sempre recomenda a seus associados a aquisição de produtos com o selo do Serviços de Inspeção Federal (SIF) e que as lojas de seus associados não mantêm produtos perecíveis em estoque por mais de 10 dias, que é o prazo médio entre produção e comercialização.
Efeitos sobre processos sanitários e preços ainda são desconhecidos
Os efeitos diretos da Operação Carne Fraca para o mercado consumidor ainda são desconhecidos. Para ficar mais claro, em boa parte dos casos citados na Operação Carne Fraca as situações relatadas são de “não fiscalização”, ou seja, de fiscais assinando liberações e certificados sem efetivamente verificar as cargas e em troca de propinas ou favorecimentos. Além disso, em meio às citações, há algumas situações específicas e bizarras, como o uso de carne de cabeça de porco em embutidos, o que, segundo a Polícia Federal, não seria permitido pela legislação brasileira, e o uso de alimentos considerados não próprios para consumo no processamento de alimentos industrializados.
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Por serem, por ora, questões pontuais, autoridades como o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki, reforçaram em coletivas e entrevistas ao longo de sexta-feira (17) que a população “pode ficar tranquila”.
Foram dois anos de investigação até a deflagração da que foi a maior operação da PF em termos de números de agentes envolvidos até hoje no país. O que se sabe até agora é que a PF encontrou indícios de enriquecimento ilícito e patrimônio incompatível com a renda entre os investigados; casos de venda de carne fora dos padrões (vencida, acrescida de produtos para disfarçar a composição, etc) com a conivência de chefes e técnicos do Mapa; e que até laboratórios que deveriam averiguar a qualidade da carne também fariam parte do esquema.
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Mas mais detalhes ainda devem ser divulgados nos próximos dias, novidades surgirão dos depoimentos das pessoas detidas e, muito provavelmente, toda uma série de ações de fiscalização sanitária deve ser desencadeada – isso se realmente o Brasil quer assegurar uma boa imagem. Em nota, a Abras disse que aguarda a identificação de lotes irregulares para tomar as medidas necessárias.
Em matéria publicada na sexta-feira (17) na Gazeta do Povo, a editoria de Agronegócio conversou com os especialistas para tentar medir os efeitos das investigações sobre o mercado bilionário da carne brasileira. Juntos, os três segmentos responderam por 6,9% das exportações do Brasil em 2016 ou R$ 11,6 bilhões. O país também tem o maior rebanho comercial de gado bovino do mundo, com 214 milhões de cabeças.
A consultora da AgriFatto, especializada em pecuária, Lygia Pimentel também disse ser precoce calcular o que pode acontecer no mercado. “O papel do fiscal é colocado em dúvida”. Ela disse que deverá haver um impacto no consumo de proteínas no País e que a operação pode também prejudicar as exportações, principalmente a de carne de frango. “Consequentemente, haverá uma consequência para o consumo de grãos”, afirmou. “Mas, novamente, ainda é muito cedo para fazer estimativas, só podemos afirmar que isso é extremamente ruim para a imagem da carne brasileira”, afirmou.
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