Londrina - Em uma sociedade altamente individualista e competitiva, a educação cooperativista não trabalha só pela formação de profissionais que cooperam entre si e valorizam os procedimentos organizacionais e produtivistas. Essa formação prioriza, antes de tudo, o desenvolvimento de pessoas solidárias e democráticas, capazes de dar ao interesse do grupo a mesma importância do interesse individual.
O Paraná tem no cooperativismo uma de suas principais forças econômicas e sociais. Parte dos estudantes que atuarão profissionalmente nesse meio é formada pelos 18 colégios agrícolas mantidos pelo estado. Mais do que ensinar a plantar, essas escolas ensinam a gestão da propriedade dentro de um sistema de cooperação. "Nós temos uma cooperativa dos alunos, que gerencia a verba e a manutenção da escola-fazenda. A produção é direcionada à Secretaria de Estado da Educação, que depois nos devolve a verba para investimento", conta Nilton Fukushima, vice-diretor do Colégio Agrícola Estadual Manoel Ribas, de Apucarana.
Com informações e conhecimentos adquiridos, esses jovens passam a ser divulgadores dos princípios e benefícios da ação cooperativista. A maioria deles vai ser empregada por cooperativas ou vai voltar para casa cerca de 70% dos alunos são filhos de agricultores , levando informações suficientes para desenvolver a propriedade familiar. "A formação cooperativista é muito importante, principalmente nos dias de hoje, quando o conceito de cooperativa está bastante distorcido. A maioria dos cooperados quer apenas empurrar o produto para venda", afirma Fukushima.
O resultado dessa formação está até hoje no dia a dia do engenheiro agrônomo e pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), Tumoru Sera. Ele se formou no colégio agrícola de Apucarana em 1969 e desde então está ligado ao cooperativismo. "Depois do colégio, eu mantive o interesse pelo cooperativismo porque, para o produtor, é difícil produzir e mais difícil ainda vender", afirma. "A organização em torno de interesses comuns facilita tudo", acrescenta.
Hoje, além de ser membro de uma cooperativa de cafeicultores, Sera aplica os conceitos do cooperativismo nas pesquisas que desenvolve no Iapar. "A excelente base que eu tive me ajuda hoje na formulação de projetos que precisam ser feitos em parceria para serem rentáveis", conta.
Empresa humanista
Uma cooperativa não deve ser apenas uma empresa que visa a bons resultados financeiros. "É uma associação de pessoas. Por isso, deve ser desenvolvida sob uma dimensão humanista", afirma o doutor em Ciências Sociais, José Odelso Schneider. Professor de cursos de especialização em cooperativismo na Universidade do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, Schneider acredita que a sociedade está num crescente processo de fragmentação. "O individualismo é muito forte. É preciso voltar a valorizar a solidariedade, responsabilidade, perseverança. Isso é cooperativismo."
Diferente de uma empresa capitalista, para fazer parte de uma cooperativa é necessário compartilhar uma filosofia. "A educação cooperativista deve construir um tipo de convivência social onde a democratização de oportunidades seja acompanhada pela democratização dos resultados", sugere Schneider.
Formação além dos campos
A difusão da cultura da cooperação na formação de cidadãos conscientes das questões coletivas e comunitárias é um processo que tem começado cedo em algumas escolas. Baseado na integração entre escola, família e comunidade, o programa "A união faz a vida", desenvolvido pelo Sistema de Cooperativas de Crédito (Sicredi), pretende construir valores de cooperação e cidadania em crianças de escolas municipais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso.
Por meio de parcerias com prefeituras, o programa já atende cerca de 200 mil alunos do maternal à 4.ª série, capacitando os professores para agregarem os princípios do cooperativismo e do empreendedorismo às disciplinas tradicionais. "Queremos gerar cidadãos mais conscientes e socialmente responsáveis, e fazer com que eles aprendam que, unindo forças, é possível buscar as soluções que não vêm do poder público", explica a assessora de programas sociais do Sicredi Maringá, Maria Rosângela de Freitas.
Fátima Gouvêa Dias é a assessora pedagógica responsável pela capacitação das três escolas londrinenses em que o programa está sendo implantado. "O trabalho com os professores é feito através de oficinas. Eles passam a estimular os alunos a criarem projetos cooperativos, cujos temas são sugeridos pelas próprias crianças", explica. O resultado são iniciativas de proteção ao meio ambiente, reciclagem, reaproveitamento de alimentos, entre outras.
Humanização
Segundo Fátima, o efeito mais marcante da metodologia é a humanização. "Isso implica em libertar estes alunos da perspectiva individualista. Estamos formando indivíduos qualificados para o exercício da humanidade". Para ela, isso certamente será refletido na vida profissional desses alunos. "A empregabilidade está cada vez mais ligada à questão do comprometimento e o desejo de cooperar com o grupo em que se está envolvido", acrescenta.
O trabalho de inserção do cooperativismo nas escolas tem de ser essencialmente voltado para o professor. "A criança começa aprendendo a dividir o doce com o colega através do professor, que é um agente de disseminação. Ele tem que transformar princípios em atividades práticas para que a criança compreenda o conceito", lembra a gerente de formação e qualificação profissional do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), Andrea Sayar.
Segundo ela, iniciativas de cooperativismo em escolas já mostraram contribuições para a menor evasão escolar e melhoria no desempenho dos alunos. "Os programas com essa tônica tem uma incrível capacidade transformadora."