Calçadão da Rua XV de Novembro, em Curitiba: população que se autodeclara parda cresceu nos últimos levantamentos do IBGE| Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo

Autodefinição

Negro ao invés de preto

Folhapress

Em vez de preto, negro. Em vez de pardo, moreno. É assim que muitos brasileiros, quando definem sua cor ou raça de forma espontânea, preferem ser identificados, segundo estudo do IBGE. Quando tradicionalmente investiga cor ou raça, o instituto oferece aos entrevistados apenas cinco opções: preto, branco, pardo, amarelo ou indígena. No levantamento, o IBGE fez a mesma pergunta, mas permitindo qualquer resposta.

O resultado mostrou que o termo moreno ou moreno claro era usado por 22% das pessoas para se autodefinir. A classificação parda, que consta de levantamentos oficiais, foi lembrada por 14%.

A identificação como negro, que não está nas opções do instituto, foi usada por 8% dos entrevistados, enquanto só 1,4% se declarou preto. O IBGE estuda a possibilidade de adicionar outros termos para definição de raça.

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Confira a pesquisa
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Ser branco, negro, moreno, pardo, amarelo ou indígena faz diferença nas relações pessoais, especialmente no trabalho e diante da polícia ou da Justiça, acredita a maioria da população de todas as regiões do país. Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Es­­tatística (IBGE) com 15 mil pessoas em cinco estados e no Distrito Federal revelou que, para 63,7% dos entrevistados, a cor ou raça influencia no dia a dia dos brasileiros.O resultado, divulgado on­­tem, surpreendeu o coordenador da pesquisa, José Luís Petruccelli. "Pensei que o porcentual dos que percebem a influência de cor ou raça na vida das pessoas fosse até maior. A grande maioria das pessoas tem alguma experiência de discriminação, ou por ser negra, parda e ter sofrido diretamente ou por usufruir dos privilégios dos brancos", diz o pesquisador do IBGE.

Quanto mais jovens, mais ricos e com mais anos de estudos, maior foi a percepção dos entrevistados quanto ao peso da cor ou raça no cotidiano dos brasileiros. Os negros foram os que mais apontaram tratamentos diferentes em função da cor da pele no trabalho e diante da polícia ou da Justiça. Citaram raça como determinante também nas relações dentro das escolas e até no casamento e no convívio social. Outras situações de discriminação apontadas pelos entrevistados foram no atendimento à saúde e nas repartições públicas.

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Petruccelli lembra que, pela primeira vez, o IBGE incluiu perguntas de opinião em uma pesquisa. "Em vez de perguntar direto sobre cor ou raça dos entrevistados, fizemos com que as pessoas começassem a pensar no assunto", diz. Entre os entrevistados com até quatro anos de estudos, 43% disseram não ver influência de cor ou raça nas relações cotidianas. Entre os que têm renda mais baixa, de até meio salário mínimo per capita mensais, esse porcentual foi de 37,5%. Para o pesquisador do IBGE, os mais pobres e menos instruídos, embora também sejam vítimas de discriminação, não conseguem identificar o peso do preconceito. "Para muitos deles, é uma situação natural", afirma.

Preconceito

O músico belo-horizontino Victor Rodrigues Dias, de 24 anos, que se autoclassifica como "negro", coleciona histórias: já foi revistado sete vezes por policiais militares – muitas delas acompanhado dos pais. O episódio mais recente aconteceu esta semana. Victor aguardava a mãe dentro de seu carro, em frente a uma agência bancária, quando foi abordado por um PM. "Estava ouvindo música. Ele chegou, me perguntou se era o dono do carro e se já tinha sido preso. Mesmo depois que minha mãe voltou, de mostrarmos os documentos, ele continuou insistindo", disse. Ao responder onde morava, um bairro de classe média alta da capital mineira, Victor recebeu do PM uma pergunta debochada: "Tem certeza que não é União?", disse o PM, referindo-se a um bairro popular vizinho.

Em Brasília, onde mora o pai, Victor também já sofreu preconceito por policiais. "Lá meu pai não tem carro, voltávamos a pé para casa e policiais armados nos abordaram. Meu pai disse que era trabalhador e o PM gritou que não queria saber, e nos revistou. É algo que já faz parte da nossa rotina."

Educação e emprego

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Ao traçar o perfil dos entrevistados, a pesquisa aponta a distância entre brancos e negros ou pardos em relação à educação e emprego. Entre os entrevistados, 7% dos brancos e 7,8% dos amarelos eram empregadores. Nas demais raças, a proporção não passou de 3,6%. Apenas 3% dos brancos e 0,9% dos amarelos eram trabalhadores domésticos. Nas outras raças, a proporção chegou a 13%.

A pesquisa foi feita em 2008 em um estado de cada região (Amazonas, Paraíba, São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso) e no Distrito Federal. Os entrevistados foram moradores com 15 anos ou mais de idade.

Política de cotas foi decisiva para aumento de pardos e pretos

O fortalecimento da política de cotas para acesso à educação e emprego na última década foi um fator decisivo para o aumento no número de brasileiros que se declaram pardos e para a confirmação do crescimento dos que se dizem pretos, na avaliação de pesquisadores que observaram os resultados do Censo 2010. Confirmando tendência apontada pelas últimas pesquisas domiciliares (Pnads), a soma de pardos e pretos chegou a 50,7% da população total e os brancos deixaram de ser maioria.

Muitos especialistas sustentam que a maioria branca historicamente registrada nos Censos se devia aos pardos que se declaravam brancos. Nos anos 1990, houve um forte movimento de afirmação da população preta. Prova­­velmente, muitos brasileiros que antes se declaravam pardos passaram a se declarar pretos, mas um grande número ainda continuou a se declarar branco.

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"Quando você é pardo, pode circular em qualquer cor, dependendo do seu objetivo. As políticas de ação afirmativa levaram muitas pessoas que podiam eventualmente se declarar brancas a se declarar pardas ou negras, porque nessas políticas o não branco é favorecido. O maior número de pessoas que se assumem como negras ou pardas em função das políticas afirmativas aponta para o arrefecimento do próprio racismo", diz o historiador Manolo Florentino, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, especialista no estudo da escravidão. O pesquisador lembra que mestiços descendentes de indígenas e brancos também costumam se declarar pardos.