Domingos da Silva Barata levanta às 4 horas da manhã. Depois de tomar café e comer açaí com tapioquinha, fazer suas orações e tratar dos "20 bicos de galinha caipira" no quintal, ele se embrenha mata adentro no seu terreno de 140 metros de frente por 2 mil de fundos, no Baixo Mojú, região ribeirinha do rio Mojú, na floresta amazônica, em Belém do Pará. "Foi meu pai que deixou pra mim. Dividiu entre os filhos", conta olhando para o terreno, como quem vê o pai caminhando por ali.
O pai já é falecido; a mãe mudou-se para Belém, onde vive com uma filha para tratar da saúde. "A tal da diabetes é complicada." Mas ele não pensa em deixar a beira do Mojú. "Sou nascido e criado aqui." O que ele vai fazer na mata tão cedo é manter a tradição do pai. "Quero comprar um terreno pros meus filhos [ele tem quatro], para que um dia eles digam: papai comprou essa área aqui pra nós."
No Baixo Mojú, o dinheiro que Domingos precisa para realizar a vontade hereditária nasce em árvores mais precisamente no alto do açaí, da andiroba, do muru muru, da patauá e da ucuúba. O açaí, aliás, sempre fez parte da vida do ribeirinho. É fruto que está no cotidiano do paraense, servido no café, no almoço e no jantar. Mais de 40% da produção nacional de açaí é consumida lá mesmo. Milhares de cestos carregados chegam todo dia ao Mercado Ver-o-Peso. A chegada ganhou dos "locais" o nome de feira da madrugada. É preciso se apressar para comprar o açaí fresquinho, pois no início da tarde ele já sumiu das bancas.
As demais árvores viraram fonte de renda para Domingos há pouco tempo. "Antigamente a gente queimava o muru muru, porque é uma planta com espinhos e não tinha utilidade. Hoje a gente até faz muda e replanta". Quem fala dessa mudança é Francisco José Ferreira Pereira, que aos 23 anos assumiu a presidência da Associação Jauari Baixo Rio Mojú, espécie de cooperativa de trabalho dos moradores onde Domingos "nasceu e se criou".
Ao contrário do nome Jauari, uma palmeira solitária típica da região, a associação trabalha unida. "A gente faz mutirão, e um ajuda o outro a colher os frutos e sementes, porque assim o trabalho rende mais e a gente é mais forte", completa Francisco. Trabalhando juntas, as 35 famílias de moradores do Baixo Mojú colhem em média uma tonelada e meia de cada semente por safra. A exceção foi em 2013, quando Domingos sozinho colheu 2 toneladas de muru muru, estabelecendo um recorde invejado entre os ribeirinhos. "Em casa ainda tenho 100 quilos da semente, que comecei a colher neste ano, mas parei porque a empresa que compra está com o estoque cheio e não vai precisar", diz ele, que viu seu próprio recorde de produtividade minguar um pouco os planos de ganhar mais um dinheiro extra com a venda.
Mas nem Domingos nem Francisco se importam com a estagnada momentânea. Para quem só descobriu o valor da planta espinhosa há 7 anos, uma pausa funciona como preparo para plantar mais mudas, selecionar sementes e aumentar a produção no terreno dos associados. "Esse ano ainda temos que colher andiroba e ucuúba", diz Francisco.
Toda essa corrida pelos frutos da floresta amazônica (que sempre estiveram ali, mas eram quase ignorados como potencial de renda) se deve à instalação de uma fábrica da Natura Cosméticos na região da Grande Belém. A planta da indústria ocupa 10% de uma área de 172 hectares dentro de um parque industrial ecológico, onde a água da chuva é aproveitada no sistema de refrigeração por geotermia, os resíduos são tratados por jardins filtrantes que processam todo o material industrial e em que 90% dos colaboradores moram no entorno.
A empresa deu palestras, conversou, apresentou o projeto e convenceu os moradores da floresta de que a colheita das sementes poderia se transformar em um ganho, além de incentivar a preservação de espécies que eram derrubadas para dar lugar ao açaí, ao maxixe e à mandioca, outra fonte de renda dos ribeirinhos, que fazem e vendem a farinha que acompanha o açaí nas refeições diárias.
Os nativos gostaram da ideia . Hoje, 25 cooperativas participam do projeto colhendo as sementes que dão origem a xampus, perfumes, óleos, cremes e sabonetes. O dinheiro extra rendeu uma casa nova para Domingos, eletroeletrônicos para as mulheres, uma sala para aulas de informática na Associação Jauari, e um barco mais rápido para levar quem precisa ir para o hospital numa emergência. "Antes a gente levava uma hora e meia para chegar, agora são só 40 minutos", diz Francisco.
Mas nem todo esse novo filão de exploração que a floresta proporciona muda a vida simples de quem vive por ali, na margem do Mojú, a três horas de barco da capital. A vida continua tranquila, as árvores ao redor das casas permanecem com as redes penduradas, as mulheres ainda assam em folha de bananeira os peixes que os maridos pescam no leito do rio. Domingos mantém o costume de descansar debaixo de uma árvore."O sol é muito forte, então a gente para às 10 e volta às 14." Nas festas se dança o carimbó, com as saias floridas e o mastro de fitas, as crianças se deliciam com o ingá e todos tomam suco das muitas frutas que nascem em toda parte.
Para Francisco, o grande ganho na parceria comunidade-empresa vai além da manutenção da floresta e dos bens materiais. "Agora, quando minhas filhas crescerem, elas não precisam sair daqui. Podem muito bem viver onde a gente vive". Nascidas e criadas na floresta amazônica.
*O jornalista viajou a convite da Natura.
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