Após mais de uma década da implantação do sistema de reserva de vagas pelos critérios sociais e raciais nos vestibulares das universidades federais que teve início na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2003 , a sociedade brasileira está longe de adotar um consenso em relação ao tema. Um levantamento realizado em todo o país pela Paraná Pesquisas a pedido da Gazeta do Povo mostrou que 73,9% dos entrevistados apoiam as cotas destinadas a alunos carentes e advindos de escolas públicas, mas apenas 48,5% acreditam que alunos negros e indígenas devam ter o mesmo direito em relação às cotas raciais, a opinião está bem dividida: 45,6% se dizem contra.
Outro dado revelado pela pesquisa é que o brasileiro desconhece como funciona a política de cotas nas instituições federais de ensino superior, embora este seja um tema polêmico e esteja em constante debate na academia e na mídia. Apenas 39,6% afirmaram conhecer como funciona o sistema, contra 60,4% que afirmam desconhecê-lo. Entre os que emitiram opinião, nota-se que o apoio, tanto em relação às sociais quanto raciais, é inversamente proporcional à escolaridade do entrevistado os que tiveram acesso ao ensino superior estão mais inteirados sobre o tema, mas são os que menos apoiam a medida.
Em relação à diferença de apoio entre as sociais e as raciais, o professor de Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Marcelo Tragtenberg, membro do programa de acompanhamento das ações afirmativas da universidade, afirma que isso ocorre porque se acredita, "erroneamente", que as cotas sociais incluem automaticamente alunos negros. "Constatamos em simulações na UFSC antes (2006) e depois das cotas (2012) que se as ações afirmativas valessem somente para escolas públicas, o porcentual de negros na universidade não mudaria. A política de bônus da USP somente para escolas públicas durante os quatro primeiros anos não mudou significativamente o porcentual de negros e a universidade agora adota também bônus para pretos, pardos e indígenas".
A opinião é compartilhada pela professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e pós-doutora em relações raciais Nilza Maria da Silva. Ela acredita que o apoio às cotas sociais revela que a sociedade brasileira está ciente das desigualdades de classe que existem no país, mas ainda ignora as de cunho racial. "Embora nos últimos anos tenham havido mais discussões sobre as questões raciais, muitos brasileiros ainda não acreditam na existência do racismo, portanto, para essa parcela da população as cotas não têm sentido. Ainda existe a crença na democracia racial", diz.
Cotas raciais têm menos defensores
Estudante do 3º ano de Direito da UFPR e cotista racial, Alexandre Madruga, 20 anos, analisa que a diferença de apoio às cotas raciais e sociais é fruto da dificuldade de se discutir o racismo no Brasil. Para ele, que integra o Grupo de Estudos Raciais da Faculdade de Direito, a maioria apoia as cotas sociais porque estas tocam apenas em um problema de classe, e são vistas como uma oportunidade para que os mais pobres, que sempre tiveram uma educação de má qualidade, cheguem à universidade. O mesmo, diz, não ocorre com as cotas raciais, já que a questão do negro ainda é um tabu, e muitos acreditam que tratar o negro de forma diferente é tratá-lo com inferioridade para ele, isso ocorre porque muitos negam o racismo que há no país. "Quando examinamos as condições materiais, revela-se a necessidade de um programa de inserção da população negra na sociedade, já que o negro é maioria entre os que são vítimas do encarceramento, do tráfico de drogas, da prostituição, da mão de obra barata, da mendicância e da miséria". Ele acredita que a mudança virá não apenas pelas cotas, mas por uma melhoria real na educação e redução da violência policial, que vitimaria mais os negros.