Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Drogas

Crack, o bicho-papão das famílias

Gelson e Tanise: vício destruiu família e tirou os três filhos do casal, que moram em um abrigo há um ano e meio. | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Gelson e Tanise: vício destruiu família e tirou os três filhos do casal, que moram em um abrigo há um ano e meio. (Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)

Bicho-papão, homem do saco, monstro do armário. Nenhuma dessas figuras fictícias deveria meter tanto medo nas crianças como o crack. Só que neste caso há motivos concretos para tamanho temor: a droga tira muitas crianças e adolescentes do convívio familiar e sentencia parte delas a crescer longe dos pais. Em Curitiba, por exemplo, das 1,1 mil crianças que vivem nos 65 abrigos da cidade, 95% têm pais dependentes de crack. "E as outras 5% são filhas de pessoas que exageram no consumo de bebidas alcoólicas", informa a promotora da Vara e Juventude de Curitiba, Marília Vieira Frederico.

O abrigamento, porém, é só uma das consequências da dependência química paterna na vida dos filhos. Há um número incontável de crianças e adolescentes expostas à morte precoce dos pais. No ano passado, durante a divulgação das estatísticas sobre violência no Paraná, o secretário de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, disse que 80% das mortes registradas na capital "estão diretamente ligadas ao tráfico de drogas".

Vínculo perdido

A história dos três meninos de Gelson Fonseca, 38 anos, e Tanise, 42 anos, ilustra a situação vivida por boa parte dos filhos de usuários e traficantes de drogas. Os garotos – de 9, 16 e 18 anos – vivem num abrigo em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, há quase um ano e meio. Eles foram tirados do convívio familiar após a polícia constatar que o tráfico de drogas havia se tornado um negócio de família, com participação dos dois meninos mais velhos do casal.

Casados há 23 anos, Gelson e Tanise começaram a usar drogas quando viviam no Rio Grande do Sul. O casal até ficou um período "limpo", mas logo voltou à dependência. "Sabia que era um caminho sem volta, mas não sabia como me livrar da tentação", conta Gelson.

Nos momentos em que o consumo atingiu o ápice, o casal chegou a gastar R$ 300 em drogas, em um único dia. Envolvimento com prostituição e tráfico foram os passos seguintes. "E os filhos começaram a ser esquecidos", diz Tanise. A mãe até percebeu os efeitos nocivos daquela vida nos meninos – que viviam tristes e retraídos –, e ao próprio casamento – que por pouco não acabou –, mas não mudou sua rotina.

O cachimbo de crack fez com que o casal afundasse cada vez mais: perdeu lojas de tatuagem, carro, tudo. Fonseca ingressou no Primeiro Comando da Capital (PCC) e acabou preso. Foram oito meses de encarceramento, período em que Tanise também começou a traficar. Quando saiu da cadeia, Fonseca ouviu dos próprios filhos que iriam controlar as vendas, para que a família não se afundasse mais. Trocaram a escola pelo tráfico. Os meninos só deixaram essa vida quando foram abrigados em setembro de 2007.

Hoje, Gelson e Tanise, que esperam o quarto filho, se dizem recuperados e arrependidos de todo o mal que fizeram aos meninos. Os dois têm esperanças de que o mais novo, de 9 anos, volte a morar com eles em breve. O mesmo caminho pode ser seguido pelo filho do meio, no futuro. Já o maior não perdoa os pais e se recusa a reencontrá-los. "Choro ao saber de todo mal que fiz para meus meninos e sei que o que estamos passando hoje é a consequência de tudo o que fizemos de errado."

Famílias substitutas

O abrigo não é o único destino das crianças e adolescentes que perdem os pais para as drogas. Muitos acabam sendo recebidos por parentes, mas as marcas do passado triste são sempre muito fortes.

Uma overdose matou Lúcia*, aos 24 anos. A droga fez estragos aos três filhos que ela deixou. O mais velho, hoje com 14 anos (a mesma idade que Lúcia tinha quando o concebeu), está longe do pai há sete anos. "Não tenho ideia de onde está meu filho", reclama Carlos*, de 32 anos. Por problemas familiares, a união não deu certo. O menino acabou indo morar com os avós maternos e perdeu o contato com o pai.

Envolvida com outro homem, também usuário, ela começou a consumir drogas. Teve mais dois filhos, hoje com 10 e 13 aos, que moram com o pai do rapaz. "A história é muito triste. Quem mais sofre são os meninos, que ficaram sem pai e nem mãe", limita-se a falar o avô.

A costureira Adélia*, 56 anos, cria cinco netos, três dos quais foram afastados dos pais por causa das drogas. Os dois mais velhos, de 8 e 6 anos, são do primogênito da costureira, que está preso na Colônia Penal Agrícola. A mãe das crianças não tinha condições de criá-los e deixou-os com Adélia. A menor, de 2 anos, é da caçula da costureira, morta no ano passado. Adélia diz que a jovem, de 23 anos, não tinha envolvimento com drogas, mas os comentários são que um traficante da Cidade Industrial de Curitiba foi o mandante de sua execução. "Só Deus para ajudar nessa hora. Vivo com medo de que ele volte (traficante) e queira acabar com minha família, sem nem saber o motivo. Meus netos são minha única esperança".

*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.