Retorno ao lar exige preparo
Curitiba tem uma central de vagas, responsável pelo encaminhamento das crianças retiradas do convívio familiar, com o conhecimento do Conselho Tutelar, para abrigos. Segundo a advogada Marta Tonin, vice-presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da subseção da Ordem dos Advogados no Paraná, depois que saem de suas casas, essas crianças passam por uma casa de passagem (não obrigatória), por atendimento na unidade de saúde e, por fim, vão para o abrigo. Enquanto isso, a situação da família é avaliada e procura-se incluí-la nos serviços ofertados pela rede de proteção.
Sempre que possível a criança volta para a família, até porque não existe abrigo com caráter permanente, conta Marta. O tempo médio de abrigamento varia entre seis meses e um ano. Só em alguns casos, mediante forte justificativa, um jovem pode ficar no abrigo após os 18 anos.
A promotora da Vara de Juventude de Curitiba Marília Vieira Frederico defende, por outro lado, que o retorno para casa nem sempre é a melhor solução. Para ela, há casos em que o melhor para a criança é a adoção. "Se há muito vínculo com os avós, a gente conversa. Baseamos nossas decisões mais no afeto", comenta. (AP)
Irmã aguarda em abrigo
A menina Maria (nome fictício), de 5 anos, irmã de Lavínia Rabeche da Rosa, morta em novembro de 2008 por um morador de rua conhecido da família, foi afastada da convivência familiar e está em um abrigo. A separação da família foi determinada pela Vara da Infância e Juventude para protegê-la do convívio com usuários de drogas.
Maria estava ao lado da irmã, de 9 anos, quando esta foi morta. A mãe, Maura Rabeche da Rosa, assumiu consumir crack no momento do crime. O padrasto, Mário Luiz de Castro, confessou também usar a droga e disse que estava embriagado na hora em que Lavínia foi morta.
De acordo com a conselheira tutelar Josilainy Padilha, depois de ficar com uma tia, Maria foi encaminhada para um abrigo. "Ela está recebendo todos os atendimentos necessários, inclusive acompanhamento psicológico." A menina ainda não foi encaminhada para a adoção e existe a possibilidade de reintegração familiar. A conselheira diz que tanto a mãe quanto o padrasto dela não compareceram mais ao conselho, mas que ela teve informações que os dois estão fazendo o tratamento médico para se recuperar das drogas.
Anna Simas
Bicho-papão, homem do saco, monstro do armário. Nenhuma dessas figuras fictícias deveria meter tanto medo nas crianças como o crack. Só que neste caso há motivos concretos para tamanho temor: a droga tira muitas crianças e adolescentes do convívio familiar e sentencia parte delas a crescer longe dos pais. Em Curitiba, por exemplo, das 1,1 mil crianças que vivem nos 65 abrigos da cidade, 95% têm pais dependentes de crack. "E as outras 5% são filhas de pessoas que exageram no consumo de bebidas alcoólicas", informa a promotora da Vara e Juventude de Curitiba, Marília Vieira Frederico.
O abrigamento, porém, é só uma das consequências da dependência química paterna na vida dos filhos. Há um número incontável de crianças e adolescentes expostas à morte precoce dos pais. No ano passado, durante a divulgação das estatísticas sobre violência no Paraná, o secretário de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, disse que 80% das mortes registradas na capital "estão diretamente ligadas ao tráfico de drogas".
Vínculo perdido
A história dos três meninos de Gelson Fonseca, 38 anos, e Tanise, 42 anos, ilustra a situação vivida por boa parte dos filhos de usuários e traficantes de drogas. Os garotos de 9, 16 e 18 anos vivem num abrigo em São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, há quase um ano e meio. Eles foram tirados do convívio familiar após a polícia constatar que o tráfico de drogas havia se tornado um negócio de família, com participação dos dois meninos mais velhos do casal.
Casados há 23 anos, Gelson e Tanise começaram a usar drogas quando viviam no Rio Grande do Sul. O casal até ficou um período "limpo", mas logo voltou à dependência. "Sabia que era um caminho sem volta, mas não sabia como me livrar da tentação", conta Gelson.
Nos momentos em que o consumo atingiu o ápice, o casal chegou a gastar R$ 300 em drogas, em um único dia. Envolvimento com prostituição e tráfico foram os passos seguintes. "E os filhos começaram a ser esquecidos", diz Tanise. A mãe até percebeu os efeitos nocivos daquela vida nos meninos que viviam tristes e retraídos , e ao próprio casamento que por pouco não acabou , mas não mudou sua rotina.
O cachimbo de crack fez com que o casal afundasse cada vez mais: perdeu lojas de tatuagem, carro, tudo. Fonseca ingressou no Primeiro Comando da Capital (PCC) e acabou preso. Foram oito meses de encarceramento, período em que Tanise também começou a traficar. Quando saiu da cadeia, Fonseca ouviu dos próprios filhos que iriam controlar as vendas, para que a família não se afundasse mais. Trocaram a escola pelo tráfico. Os meninos só deixaram essa vida quando foram abrigados em setembro de 2007.
Hoje, Gelson e Tanise, que esperam o quarto filho, se dizem recuperados e arrependidos de todo o mal que fizeram aos meninos. Os dois têm esperanças de que o mais novo, de 9 anos, volte a morar com eles em breve. O mesmo caminho pode ser seguido pelo filho do meio, no futuro. Já o maior não perdoa os pais e se recusa a reencontrá-los. "Choro ao saber de todo mal que fiz para meus meninos e sei que o que estamos passando hoje é a consequência de tudo o que fizemos de errado."
Famílias substitutas
O abrigo não é o único destino das crianças e adolescentes que perdem os pais para as drogas. Muitos acabam sendo recebidos por parentes, mas as marcas do passado triste são sempre muito fortes.
Uma overdose matou Lúcia*, aos 24 anos. A droga fez estragos aos três filhos que ela deixou. O mais velho, hoje com 14 anos (a mesma idade que Lúcia tinha quando o concebeu), está longe do pai há sete anos. "Não tenho ideia de onde está meu filho", reclama Carlos*, de 32 anos. Por problemas familiares, a união não deu certo. O menino acabou indo morar com os avós maternos e perdeu o contato com o pai.
Envolvida com outro homem, também usuário, ela começou a consumir drogas. Teve mais dois filhos, hoje com 10 e 13 aos, que moram com o pai do rapaz. "A história é muito triste. Quem mais sofre são os meninos, que ficaram sem pai e nem mãe", limita-se a falar o avô.
A costureira Adélia*, 56 anos, cria cinco netos, três dos quais foram afastados dos pais por causa das drogas. Os dois mais velhos, de 8 e 6 anos, são do primogênito da costureira, que está preso na Colônia Penal Agrícola. A mãe das crianças não tinha condições de criá-los e deixou-os com Adélia. A menor, de 2 anos, é da caçula da costureira, morta no ano passado. Adélia diz que a jovem, de 23 anos, não tinha envolvimento com drogas, mas os comentários são que um traficante da Cidade Industrial de Curitiba foi o mandante de sua execução. "Só Deus para ajudar nessa hora. Vivo com medo de que ele volte (traficante) e queira acabar com minha família, sem nem saber o motivo. Meus netos são minha única esperança".
*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados.
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