São Paulo A eventual vitória do Brasil na Copa do Mundo não ajuda ninguém a ganhar eleição, afirmam craques que já passaram pela seleção brasileira. Eles conhecem bem o fenômeno dos enxames de políticos que sempre circundam os jogadores nas vitórias. "Eles (os políticos) sempre tentaram se aproveitar disso", afirma Pelé.
Ex-campeões contam por que não dá certo misturar futebol e eleição: o povo vibra com as vitórias, mas logo percebe que elas são efêmeras. "O uso do futebol pela política não se reverte em votos", assegura Tostão.
Raí dá uma razão sociológica para esse mecanismo: a alegria com as grandes conquistas é tanta que parece mudar a face do país. "Mas a vibração com as conquistas começa a perder força, ao mesmo tempo em que o povo percebe que, na realidade, nada mudou, tudo continua como antes. Aí vem a decepção", observa.
Raí, Tostão e Zico revelam que tiveram sentimentos parecidos: ficaram eufóricos com as conquistas de que participaram, mas depois perceberam que suas proezas não tiveram a força de mudar a triste realidade do Brasil.
Uma coincidência perpétua de calendários estimula a mistura de futebol com política as Copas do Mundo sempre ocorrem quatro meses antes das eleições gerais. Essa proximidade facilita episódios como o duelo verbal que ocorreu durante a semana, entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Ronaldo Fenômeno. Mas nas cinco vezes em que o Brasil foi campeão mundial, o primeiro compromisso da seleção, na volta ao país, foi visitar o presidente da República.
Foi assim em 1958, com Juscelino Kubitschek; em 1962, com João Goulart; em 1970, com o general Garrastazu Médici; em 1994, com Itamar Franco; e em 2002, com Fernando Henrique Cardoso. É assim também, em outros níveis. "Aqui na Câmara, não pode aparecer um jogador. Todo deputado quer capitalizar", diz Deley, ex-volante do Fluminense, primeiro futebolista profissional a se eleger deputado federal.
Problemas sociais
"As mazelas do futebol são as mesmas mazelas da política", constata Raí. Zico concorda: "O que acontece no futebol é um reflexo da sociedade. Se temos desigualdades na sociedade, elas certamente se repetem no futebol. E, se há corrupção na sociedade e na política, como imaginar que não houvesse no futebol?" Tostão confessa que em 1970 se sentiu muito desconfortável com a manipulação política da seleção tricampeã mundial pelo regime militar: "Eu era contra a ditadura, achava aquilo tudo um horror."
Afonsinho, volante que pontificou no Botafogo carioca, afirma que a apropriação das conquistas do esporte foi mais clara à época do regime militar. Mas ele lembra que os antigos países comunistas usavam o esporte para promover seus regimes.