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Medicação

Cresce consumo de Ritalina

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São Paulo - O medicamento usado no tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) – vendido no país como Ri­­­talina (Novartis) e Concerta (Jas­­sen-Cilag) – está entre as substâncias controladas mais consumidas no Brasil. Entre 2000 e 2008, o nú­­mero de caixas vendidas passou de 71 mil para 1,1 milhão – aumento de 1.616%. A alta no consumo veio acompanhada de questionamentos sobre a banalização do uso do remédio à base de metilfenidato entre crianças e adolescentes.

Alguns especialistas acreditam que uma explicação para o inchaço nas vendas seria resultado de diagnósticos malfeitos. Outro fator seria o fato de crianças estarem sendo "domadas" à base de psicotrópicos porque simplesmente não se encaixam no padrão de aprendizagem e comportamento desejado.

O que alimenta ainda mais a polêmica é a dificuldade de diagnosticar o TDAH. Não há um exame definitivo. Os médicos se baseiam em relatos subjetivos de pais e professores sobre o comportamento da criança e num questionário com 18 sintomas relativamente comuns entre jovens, como falar em demasia, interromper conversas e dificuldade para esperar.

"O diagnóstico deve ser feito por um médico treinado, mas envolve também outros especialistas, como psicólogo, psicomotricista e fonoaudiólogo. É preciso descartar outros problemas de saúde que possam afetar o comportamento e o aprendizado", explica o psiquiatra infantil Francisco Assumpção, da Universidade de São Paulo (USP). "Mas muitas vezes os critérios são preenchidos pela própria escola ou até mesmo pelos pais, que me procuram apenas para pedir o remédio. Ora, não sou fábrica de receita."

Nem todo médico é tão rigoroso. O analista legislativo Luís Fernando Leite dos Santos conta que sua filha de 16 anos foi recentemente diagnosticada como portadora de TDAH por ter apresentado alterações de humor e queda de rendimento no último bimestre escolar. "A mãe procurou um neurologista já convencida do problema. Embora o relatório da escola afirmasse que o nível de dispersão nas aulas não era tão relevante, o médico receitou o remédio e ainda disse que eu poderia pegá-lo no posto de saúde", diz o pai, inconformado.

No caso do garoto João Petrika, de 12 anos, a simples mudança de escola fez milagres. Há cerca de quatro anos ele foi diagnosticado como hiperativo e ingressou num programa de tratamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Fez terapia e tomou remédios. Mas o desempenho escolar só melhorou neste ano. "Antes ele fazia de tudo para evitar a escola. Agora que mudou de colégio, tem apenas três faltas", conta o pai Antonio Petrika, segundo o qual o tratamento na Unifesp ajudou muito. Mas João, há dois anos sem remédios, tem outra explicação para a mudança de comportamento. "Gosto mais desta escola porque os professores são melhores. Na anterior, ficavam gritando o tempo todo. Eu ficava nervoso e não queria fazer mais nada."

Na moda

O TDAH é um dos transtornos mentais mais comuns em crianças e se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Estudos indicam que a prevalência na população é de 5%. Isso significa que numa sala de aula com 40 alunos, pelo menos dois teriam a doença.

Mas em algumas escolas o número de alunos em tratamento é bem maior que o estimado. "A dificuldade de aprendizado passou a ser sinônimo de problema com a criança, quando às vezes o problema é da escola", afirma Assumpção. "Escola ruim não é só aquela que não ensina direito, mas também aquela que não respeita o ritmo biológico de cada criança", diz o médico.

Banalização é sentida por professores

É na escola, onde a criança desenvolve grande parte de seu processo de socialização, que o uso da Ritalina vem sendo mais percebido. A reportagem ouviu relatos de educadores que confirmam a incidência do uso do medicamento em até 18% dos alunos de uma mesma sala de aula. Para os professores, há casos em que o remédio é realmente necessário – como nos de alunos hiperativos –, mas a banalização é uma realidade cotidiana.

"A causa disso é o imediatismo de muitos pais e neurologistas, que querem medidas rápidas", afirma Raquel (nome fictício), de 48 anos, professora de Ciências de uma escola particular de classe média alta. Alguns educadores dizem que o uso indiscriminado do remédio está vinculado à dificuldade que algumas famílias têm de impor limites aos filhos. "É comum ouvirmos coisas do tipo: ‘Não sei o que faço com meu filho. Ele está tomando medicação, mas mesmo assim não sei o que fazer’", conta Isadora (nome fictício), de 43 anos, professora de História do ensino fundamental .

As escolas ouvidas pela reportagem afirmam não ser contra o medicamento – o principal desafio, segundo elas, é mostrar aos pais que é possível tentar métodos menos invasivos, como terapia e atividades físicas. "A Ritalina é uma droga que deixa dependente, além do aluno, a família e o professor. Todos se acostumam com o equilíbrio apresentado pela criança sob efeito do remédio", afirma Silvio Ba­­rini Pinto, diretor do Colégio São Domingos, na zona oeste paulistana. "Temos de cuidar para não favorecer sua indicação."

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