Entre os dias 2 e 26 de março, representantes da província canadense de Québec fizeram uma turnê pelo Brasil para divulgar oportunidades de trabalho em carreiras muito específicas e recrutar mão de obra fluente em francês. Visitaram sete cidades do Nordeste, Sudeste e Sul e se surpreenderam com a reação: em apenas uma semana 140 mil brasileiros visitaram o site do órgão de migração de Québec, mostrando interesse em se mudar para lá.
Família se muda para os Estados Unidos atrás de qualidade de vida
O carioca Thiago Fonseca optou pela Filadélfia, nos Estados Unidos. Em maio, mudou-se para lá com a mulher, Juliana, e a filha, Maria Luisa. A família morava em casa própria, no Rio, e o casal estava empregado quando tomou a decisão.
“Quero dar melhor qualidade de vida e proporcionar uma experiência diferente para minha família. Com a recessão no Brasil e o crescimento americano, foi mais fácil justificar junto à empresa minha transferência para os EUA”, diz Thiago.
A família ainda arruma a casa nova, mas já se surpreende com a quantidade de pessoas que dizem estar pensando seriamente em segui-los.
“Pelo menos dez me consultaram sobre como fazer o processo”, destaca o carioca.
As três famílias lembram, no entanto, que emigrar não é fácil. Silvia e Wellington aconselham “mente aberta” e calma. Flávia e Márcio lembram que trabalhar numa língua que não é a nativa é “cansativo”. Thiago fala de uma nova realidade para fugir da crise: fazer todas as tarefas domésticas e ficar longe de família e amigos.
Brasil tenta mudar a arcaica lei de migração
Leia a matéria completaNúmeros obtidos pelo Globo junto à Receita Federal confirmam que a emigração qualificada está em alta. Entre 2011 e 2015, o número de Declarações de Saída Definitiva do país (documento apresentado ao Fisco por quem emigra de vez) subiu 67%. Em 2011, a Receita recebeu 7.956 declarações, 21 para cada dia do ano. Este ano, foram 13.288, numa média diária de 36.
“Esse número é apenas uma amostra da realidade da emigração”, diz Joaquim Adir, supervisor nacional de imposto de renda da Receita. “Mas já reflete a saída de uma elite financeira e cultural, de pessoas que se preocupam em ficar quites com a Receita e que têm conhecimento da importância disso. Não entram aí os brasileiros que não têm bens ou rendimentos, como crianças e jovens, nem os que querem sair de forma ilegal. A emigração está em alta.”
Os engenheiros José Wellington e Silvia Oliveira chegaram a Toronto, no Canadá, em abril. Levavam Julia, de 7 anos, e Nicolas, de 3. Em Belo Horizonte, a família tinha casa própria. Wellington trabalhava na área de mineração, e Silvia, na firma de avaliação de imóveis do pai. Nos últimos meses de 2013, a empresa de Wellington deu um alerta: diante da crise incipiente, não teria como manter toda a equipe a partir de agosto de 2014.
“Foi a gota d’água”, diz Silvia. “Estávamos cansados da corrupção, da violência, do espírito do cada-um-por-si. Então nos inscrevemos no programa canadense e passamos por um processo trabalhoso. Não digo que foi difícil. Só burocrático.”
Desde que trocou “o calor pelo frio”, a família virou fonte de informação e observa uma espécie de efeito dominó ao seu redor. “Uma vez por semana alguém entra em contato conosco para perguntar como fizemos para migrar para o Canadá”, conta Sílvia. “Se o número da Receita está alto em 2015, espere em 2016.”
A Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP/FGV) está de olho nas causas e efeitos da migração no Brasil. Um grupo de pesquisadores lança nos próximos meses um estudo que defende a criação de uma entidade migratória nos moldes do que existe no Canadá, na Austrália e na Alemanha.
“Esses países traçam o perfil do trabalhador que precisam e selecionam os imigrantes que interessam. O Brasil não tem política alguma”, diz a pesquisadora Bárbara Barbosa. “Está perdendo na briga por mão de obra qualificada e, em consequência, na corrida pelo desenvolvimento.”
“Hoje estão envolvidos na questão da migração o Ministério da Justiça, das Relações Exteriores, do Trabalho e a Polícia Federal”, completa a também pesquisadora Margareth Da Luz. “Não há uma coordenação, e nós estamos perdendo cérebros, o que é preocupante. Ainda mais num momento de envelhecimento da população.”
Casal busca Austrália para escapar da crise
Em abril, a carioca Flávia Peres Sabagh e o marido, o paulista Márcio Ghiraldelli, ambos de 36 anos, trocaram São Paulo por Sydney, na Austrália. Estavam empregados quando tomaram a decisão de entrar no LinkedIn e disparar currículos. Ela era coordenadora de CRM em um banco. Ele, especialista em sistemas. Em poucos dias, Márcio recebeu uma proposta. “A empresa que o contratou patrocinou o visto de trabalhador experiente e deu entrada no processo”, conta Flávia. “Só tivemos que enviar alguns documentos, fazer um exame de tórax e esperar algumas semanas.” Flávia trabalha hoje como analista de data marketing numa revista, e Márcio é engenheiro de qualidade de software. A mudança dos dois tem relação não só com “a possibilidade de criar um filho num país de primeiro mundo e língua inglesa”, mas também com a crise instalada no Brasil. “Estávamos muito preocupados com a desvalorização do real e a dificuldade das empresas em conseguir crédito.”
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