O percentual de crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento vem crescendo a cada ano no Brasil. E, segundo pesquisadores que acompanham o tema de perto, este é um problema que deve ser tratado como prioridade.
Os dados da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais) mostram que o percentual de crianças registradas com “pai ausente” passou de 5,5% em 2018 para 6,9% em 2023 (considerando o período até 6 de junho). No período, todos os anos registraram um crescimento em relação aos 12 meses anteriores.
O número absoluto de bebês nessa situação tem crescido mesmo com a redução no total de partos. Entre 2018 e 2022, o número total de nascimentos no Brasil caiu de cerca de 2,85 milhões para 2,59 milhões. Ainda assim, o número de recém-nascidos sem o nome do pai na certidão passou de 157,5 mil para 164,6 mil.
Cidades mais pobres no topo
As cidades com maior percentual de nascimentos sem o registro paterno têm algo em comum: são municípios relativamente pequenos e de baixa renda.
Em Senador Alexandre Costa (MA), 47 dos 201 (aproximadamente 23,4%) registros de nascimento na cidade tiveram apenas o nome da mãe em 2022. Levando em conta as cidades com pelo menos 100 nascimentos, foi o índice mais alto do país. Alexandre Costa tem nível alto de analfabetismo (34,2% de acordo com o Censo de 2010) e baixo desenvolvimento (a cidade ocupa o 5.339º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento dos municípios, entre 5.565), elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
Em seguida, entre os 10 municípios com índices mais altos de certidões sem o nome do pai, estão Porto Walter (AC), Itaipava do Grajaú (MA), Parnarama (MA), Timbiras (MA), Fernando Falcão (MA), Buriti Bravo (MA), Governador Eugênio Barros (MA), Novo Gama (GO) e Buriticupu (MA).
Dentre as 23 cidades que tiveram pelo menos 10.000 nascimentos, Boa Vista (14,3%), Macapá (12%) e Manaus (10,9%) aparecem com os percentuais mais altos. Belo Horizonte (4,6%), Curitiba (3,9%) e Campinas (3,9%) tiveram o menor número de certidões de nascimento sem a identificação do pai.
Os estados da região Norte são, em média, os que têm o maior percentual de certidões de nascimento sem a identificação do pai. Dos seis primeiros na lista, cinco são de lá: Amapá (13%), Acre (12%), Amazonas (10,7%), Roraima (10,3%) e Pará (8,4%). Segundo colocado, o Maranhão (11,6%) completa a lista. Na outra ponta, com o menor índice, estão Rio Grande do Sul (4,7%), Paraná (4,5%), Rio Grande do Norte (4,5%), Minas Gerais (4,3%) e Santa Catarina (4,1%).
Pesquisas mostram consequências
Entre psicólogos, sociólogos e pedagogos, há poucas dúvidas de que a falta da figura paterna traz prejuízos às crianças. De acordo com diferentes estudos, jovens criados nessa situação possuem mais chances de viver na pobreza, abandonar a escola e cometer crimes. Eles também têm o dobro da probabilidade de tirar a própria vida.
Em 2013, um artigo publicado por pesquisadores das universidades de Princeton, Cornell e Berkeley, nos Estados Unidos, analisou 47 estudos, feitos em diferentes países, a respeito das consequências da ausência paterna. A conclusão deles é clara: “Nós encontramos sólidas evidências de que a ausência paterna afeta negativamente o desenvolvimento socioemocional das crianças”. Eles explicam que essa correlação é ainda mais intensa quando o abandono paterno se dá no início da infância. Além disso, os efeitos são mais visíveis sobre os meninos do que sobre as meninas.
Para o sociólogo Eduardo Matos de Alencar, doutor pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), a lógica é ainda mais cruel em ambientes de pobreza. “Quando se tem condições financeiras favoráveis ou se possui uma rede de relacionamentos familiares estáveis, o problema da prole sem o casamento pode ficar mitigado. Crianças precisam de supervisão parental, de afeto e de disciplinamento. A ausência de qualquer uma dessas variáveis incide inevitavelmente em estatísticas de crime, violência, empobrecimento, baixo desempenho escolar etc.”, ele diz.
Na opinião de Alencar, o aumento no número de crianças registradas sem o nome do pai deve ser visto em um contexto mais amplo de desintegração das estruturas familiares tradicionais. “Quando associado a outras variáveis, é possível ver uma pintura preocupante. Faz pouco tempo, uma pesquisa mostrou que 48,7% dos lares são chefiados por mulheres. Temos uma média crescente de aumento de divórcios em proporção a casamentos. E somos o segundo país do mundo em termos de taxa de gravidez na adolescência”, ele afirma, antes de complementar: “No seu conjunto esses dados refletem uma sociedade cada vez mais liberal, desprovida de uma concepção transcendente sobre o valor dos laços familiares.”
Rodolfo Canônico, diretor-executivo do Family Talks, diz que as implicações da ausência paterna são óbvias: as mulheres ficam sobrecarregadas e, com isso, têm menos oportunidade de dar atenção às necessidades das crianças. “Essas mães, sobretudo as que estão em situação de maior vulnerabilidade têm desafios muito grandes para a educação dos filhos. O desenvolvimento cognitivo e emocional é beneficiado com a presença paterna, e esses benefícios deixam de existir quando não há um pai presente”, afirma.
O papel do governo
Para a autora americana Katy Faust, que estuda o tema de perto e fundou uma organização para promover a importância da família biológica, o aumento recente nos índices de ausência paterna devem preocupar os brasileiros.“Os pais não são substituíveis. Essas crianças estarão em desvantagem porque perderão os benefícios de desenvolvimento específicos do pai, como o cultivo de habilidades motoras grossas por meio de brincadeiras indisciplinadas e físicas. Elas perderão metade de sua identidade biológica, que ajuda as crianças a responder à pergunta existencial ‘quem sou eu?’ Elas perderão o amor paterno que todas as crianças desejam.”
Criadora da organização Them Before US, Katy roda os Estados Unidos defendendo que o bem-estar das crianças deve estar acima das preferências dos adultos. Ela afirma que tanto o governo quanto a sociedade civil devem se engajar na promoção de famílias saudáveis e estáveis, formadas sempre que possível com base em um pai e uma mãe biológicos. “O governo tem um grande interesse em promover a união vitalícia da mãe e do pai de uma criança, porque, de acordo com todas as métricas, essas crianças são as mais saudáveis fisicamente, mentalmente, emocionalmente, academicamente e do ponto de vista dos relacionamentos”, ela argumenta.
A autora acrescenta que mesmo pequenas medidas, como homenagens a casais que atingem 50 ou 60 anos de união, ajudam a moldar a cultura e a criar um ambiente pró-estabilidade familiar. “O Estado deveria encorajar a formação de famílias não apenas por meio da economia, com incentivos fiscais, mas também valorizando e honrando as uniões heterossexuais vitalícias. Isso pode e deve ser feito sem denegrir ou menosprezar aqueles que não fazem ou não podem fazer parte dessas uniões”, diz Katy.
Rodolfo Canônico concorda que o Estado pode incentivar a formação de famílias sólidas sem violar as liberdades individuais. “Por um lado, não cabe ao Estado interferir nas decisões privadas das pessoas. Por outro lado, cabe ao Estado entender as situações e criar estímulos; por exemplo, promover um maior envolvimento masculino no cuidado é algo positivo para a sociedade”, diz ele, que lamenta: “Hoje este é um assunto que está pouco presente no espaço público.”
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