A tranquilidade que deveria acompanhar a terceira idade tem sido, para muitos nessa faixa etária, ameaçada por pesadelos econômicos. Em um contexto de crise de endividamento após uma forte expansão do crédito, voltou a subir o número de denúncias de abuso financeiro contra idosos no Brasil.
Segundo levantamento da Coordenação-Geral dos Direitos do Idoso, vinculada à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SDH), do governo federal, só no primeiro semestre do ano, foram feitas 8.897 queixas ao Disque 100 denunciando violações como retenção de salários, extorsão e expropriações de bens de idosos. Caso o ritmo se repita no segundo semestre, serão quase 18 mil denúncias (17.794), contra 15.148 em todo o ano de 2015 e 12.455 em 2014 – ano em que elas caíram 38%.
Além de abusos como esses, especialistas que trabalham com superendividados têm notado aumento de casos de idosos nessa situação, vítimas da concessão agressiva – e muitas vezes irregular – de empréstimos consignados para aposentados e pensionistas. “A tendência é de um novo aumento (nas denúncias de abuso financeiro), ao menos em números absolutos”, afirmou a SDH em nota.
Crise
A secretaria avalia que ainda é cedo para tirar conclusões sobre o aumento das denúncias, mas admite que a crise tem impacto, além do componente demográfico trazido pelo envelhecimento da população. A faixa etária das vítimas com maior incidência é de 71 a 80 anos (36%), seguida de 61 a 70 anos (33%),
Na maioria das vezes, o perpetrador das violações está dentro da própria casa do idoso. Até junho, os filhos foram apontados como agressores em 54,7% dos casos totais de abuso financeiro e violência patrimonial, e os netos, em 8,5%. “Em um país com alto desemprego, o idoso que tenha uma renda de aposentadoria ou de pensão se vê pressionado. Frequentemente, o parente que mora com ele exige mais do que deveria do idoso. Aquele dinheiro que deveria ser usado para remédio ou até lazer, acaba sendo usado para o lar”, afirmou Dori Boucault, advogado especializado em defesa do idoso e consultor do escritório LTSA Advogados. “O idoso fica perturbado, pensa ‘já que eu moro aqui, tenho que ajudar’. Afinal, se forem expulsos do lar, muitas vezes não têm para onde ir.”
Concessão de consignado
A maior vulnerabilidade financeira dos idosos tem sido detectada por outros órgãos. No Núcleo de Apoio ao Superendividado do Procon-SP, onde os idosos representam 13% dos assistidos, o atendimento como um todo aumentou 400% do ano passado para cá, segundo o coordenador Diógenes Donizete. Mesmo que a maioria dos casos não configure abuso, os idosos são vulneráveis à tática agressiva dos bancos.
“Há um padrão: bastou a pessoa se aposentar e começa instantaneamente um assédio de crédito consignado. Às vezes, a pessoa nem recebeu o primeiro benefício, e as ligações já começaram. Os bancos não deixam nenhuma margem livre. Assim que o aposentado quita um, ofertam novo. Há casos de parcelas de R$ 13 mensais”, contou Donizete, acrescentando que raramente um aposentado chega ao serviço sem, ao menos, três empréstimos consignados.
De acordo com ele, há quem comprometa até 70% da renda com empréstimos para manter a família, com até cinco instituições diferentes. A defensora Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio (Nudecon), também relaciona o superendividamento à expansão do crédito consignado no país.
Ela não tem notado melhora na situação dos idosos com o recente freio na concessão de consignado. Em 2015, a média mensal de volume de crédito por essa modalidade foi de R$ 11,05 bilhões, contra R$ 10,1 bilhões este ano, mostram dados do Banco Central. Segundo Patrícia, há casos em que os idosos são vítimas de estelionato. “Muitas vezes, o crime é cometido por meio de correspondentes bancários. Mas há também a situação em que o idoso é induzido a renovar um empréstimo já feito, o que também é feito de forma agressiva”, explicou a defensora.
Abuso
Vera Lucia de Souza, de 66 anos, foi surpreendida, em junho, por um telefonema do Banco BMG. Segundo a aposentada, a atendente ligava para comunicar que iria depositar cerca de R$ 1.800 em sua conta. Como o empréstimo não havia sido solicitado, Vera disse que não queria o dinheiro. No dia seguinte, porém, R$ 1.819,99 estavam em sua conta corrente. Depois disso, ela ligou para a central de atendimento do banco alegando que não tinha assinado nenhum contrato.
De acordo com Vera, o banco sempre “dava uma desculpa” para não desfazer a transação e se recusava a repassar os contratos que teriam sido assinados pela cliente. Em agosto, após várias tentativas, o BMG pediu para que Vera respondesse um formulário de cancelamento, mas, até novembro, nada havia sido resolvido. Enquanto isso, a fatura para pagamento do empréstimo continua a chegar. O débito já soma R$ 1.963,46. “Meu medo é que isso vire uma bola de neve, mesmo não tendo feito nada para ficar com o nome sujo. Quero que retirem o dinheiro da minha conta”, queixa-se a aposentada.
Procurado, o BMG informou que estudou o caso e constatou que, ao contrário do que a aposentada afirma, houve a contratação do empréstimo, o que Vera nega. No entanto, o banco acordou que devolverá o valor bruto à aposentada.
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