Assim que a imprensa divulgou que as crianças do Colégio Mackenzie, em São Paulo, estavam aprendendo teorias criacionistas nas aulas de Ciências, muito se falou da separação entre Ciência e Religião, mas pouco se fez para explicar realmente no que consiste o criacionismo. O assunto parece ser espinhoso entre estudiosos e pesquisadores. Afinal, o modelo criacionismo que é ensinado há muitos anos em diversas escolas particulares do Brasil mostra que o Universo foi criado por um ser superior, sem comprovação científica para isso. Ao contrário da teoria evolucionista, desenvolvida por Charles Darwin, na qual as espécies se diferenciam por seleção natural. A partir do que se acredita ser o criacionismo, questiona-se o direito que as escolas confessionais (ligadas a uma determinada religião) têm de repassar suas crenças aos alunos. O próprio Ministério da Educação (MEC) se posicionou, dizendo que o tema não deveria ser apresentado nas aulas de Ciências, mas de Religião, como visão teológica.
O biólogo Tarcísio da Silva Vieira, mestre pela Universidade de Brasília (UnB) e membro da Sociedade Criacionista Brasileira (SCB), explica, em entrevista por e-mail, que criação e evolução têm pontos de compatibilidade e que, mesmo dentro do criacionismo, há vertentes que interpretam de diferentes formas relatos como o dos "seis dias" mencionados na Bíblia (aqueles que foram o período completo da criação do Universo por Deus). Vieira também se diz contra o ensino do criacionismo em escolas públicas, alegando que o Estado é laico.
O que define um criacionista?
Um aspecto que não tem sido mencionado na imprensa é que o termo "criacionismo" é bastante elástico. Há diversas vertentes de criacionismo, e a SCB defende o chamado "criacionismo bíblico", que é uma tentativa de associar o conhecimento científico e o conhecimento bíblico, desde que aquele não seja distorcido por alguns pontos não sustentáveis dentro do evolucionismo. Os simpatizantes do criacionismo bíblico têm a Bíblia como uma importante fonte de conhecimento. Temos dois grupos básicos de criacionistas bíblicos: aqueles que frequentam uma igreja e, para quem, o relato da criação é suficiente; e aqueles que estudaram Ciências e, embora também considerem o relato bíblico suficiente, têm um conhecimento científico que lhes permite argumentar de maneira mais formal e racional.
Que pontos do evolucionismo são compatíveis com o criacionismo?
Darwin fez grandes contribuições ao mundo científico, revolucionando complemente a forma de se estudar a natureza. Tendo formação em Ciências Biológicas, eu jamais poderia negar isto. Para que o criacionismo seja um bom modelo, precisa reconhecer que o evolucionismo é uma boa teoria! Essa afirmação causa certo desconforto aos criacionistas que não tiveram uma formação em ciências, mas um bom estudante, pesquisador ou cientista criacionista aceita e entende o fato de que as espécies sofrem modificações ao longo do tempo. Estes profissionais entendem e estudam as mutações e o poder de transformação que elas carregam; aceitam e estudam a seleção natural em suas pesquisas; trabalham com programas computacionais que lhes fornecem dados relativos à flutuação de um dado gene numa certa população, atuam na área de Química Orgânica e estudam as reações químicas necessárias para o desenvolvimento e manutenção da vida. Todos esses pontos e alguns outros fazem parte da grande contribuição que Darwin deu ao mundo científico, são considerados e fazem parte do modelo criacionista. Contudo, vários cientistas e pesquisadores simpatizantes do criacionismo, do Design Inteligente ou mesmo evolucionistas enxergam problemas com a abrangência dessas teorias.
Que problemas seriam esses?
As ideias desenvolvidas por Darwin eram, em sua maioria, restritas ao conhecimento que os biólogos tinham em seu tempo, tanto que o Neodarwinismo é um "ajuste" das teorias de Darwin. Mas ainda assim há pontos que não são corroborados pelo conhecimento científico e, apesar disso, são propagados e ensinados em escolas e universidades quase de forma doutrinária.Dentro das teorias evolucionistas, por exemplo, ainda não há uma explicação satisfatória para a origem da vida. Seja qual for a abordagem feita, todas as "explicações" dadas apresentam inconsistências com aquilo que já é bem estabelecido na Química, na Estatística, na teoria de probabilidades, na termodinâmica e em muitos outros campos do conhecimento.
Além disso, tempo é um fator fundamental para que as teorias evolucionistas façam algum sentido, pois os dados que temos sobre mudanças em organismos com ciclos de desenvolvimento muito rápido (como as bactérias) somente serão coerentes quando extrapolados para organismos pluricelulares, supondo períodos de tempo demasiadamente longos.
Considerando essas inconsistências, o criacionismo não deveria ser ensinado nas escolas?
A SCB é totalmente contrária ao ensino do criacionismo nas escolas e universidades públicas brasileiras. O nosso Estado é laico, enquanto o criacionismo bíblico traz aspectos religiosos em sua estrutura. Além disso, há uma escassez de profissionais devidamente versados em criacionismo bíblico. Todos os cursos universitários apresentam, em sua grade curricular, propostas para o ensino apenas das teses evolucionistas. É preciso ressaltar que não temos interesse em que as teses criacionistas substituam a teoria da evolução ensinada nas escolas e universidades. Isto é absurdo. Por outro lado, não há nenhuma oposição ao ensino do modelo criacionista em escolas que se denominam confessionais, uma vez que há abertura constitucional para isto, mas desde que as teorias de evolução também sejam ensinadas.
Como o criacionismo bíblico interpreta a narração do Gênesis? A interpretação é estritamente literal, ou questões como a dos "seis dias" podem ser vistas como metáfora?
Para os simpatizantes do criacionismo bíblico, a Bíblia é literal em todas as suas colocações, exceto quando o próprio relato bíblico informa a respeito, ou quando o escritor não tinha em mente o intuito de transmitir conhecimento científico, mas a intenção de descrever um fenômeno na linguagem mais simples possível para ser entendido; e quando conceitos que adquirimos em tempos recentes aparentemente contrastam com aquilo que era conhecido no período em que um determinado texto bíblico foi escrito por exemplo, quando o livro do Levítico classifica o morcego como uma ave. Assim, salvo estas situações, entendemos a Bíblia como literal, e isto inclui todo o livro de Gênesis; portanto, para nós, os seis dias da criação são literais. Mas existem correntes teológicas que entendem estes dias como períodos não correspondentes às 24 horas atuais, ou que consideram estes dias como longos períodos de tempo correspondentes a eras, numa tentativa de associar descobertas geológicas e dos métodos de datação com o relato do Gênesis.