Na justiça: 243 ações em todo o Brasil
Cerca de 1,8 mil pessoas recebem remédios por meio de ordem judicial no Paraná, conforme a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). Para obter esse direito, as disputas, em geral, chegaram às instâncias superiores da Justiça, o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal. No caso de Wesley, foi necessário mais de um ano até a Justiça obrigar o estado a distribuir o medicamento. Delegada nacional da Associação de Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (Afag), Regina Próspero relata a existência de 243 ações, por iniciativa da entidade ou de órgãos como os Ministérios Públicos federal e estadual, solicitando medicamentos excepcionais para as mais diversas doenças em todo o Brasil. "No início, a Afag foi montada apenas para dar apoio moral. Com o tempo e a falta de medicamentos, nosso rumo foi para o assistencialismo e a orientação jurídica", explica Regina. "Quando não conseguimos, vamos ajudando ou indicando pessoas que costumam atuar nesse sentido", acrescenta.
Wesley de Oliveira Xavier, 9 anos, ganhou na Justiça o direito de receber o tratamento para sua grave doença, a mucopolissacaridose tipo VI uma enfermidade rara e progressiva. Além de superar com a família adotiva os desafios impostos pela enfermidade, Wesley enfrenta há 45 dias um problema que foge de seu controle: a falta da enzima necessária para melhorar suas condições de vida, chamada de Naglazyme (Gausofase), que deveria ser distribuída pelo governo do estado. O valor do medicamento varia conforme o peso de cada paciente (crianças, na maior parte das vezes) e, nesse caso específico, pode custar em torno de R$ 25 mil ao mês.
Adotado pelo aposentado Sebastião Duelis e sua esposa há cerca de três anos, Wesley leva, dentro de suas possibilidades, uma vida normal. Frequenta a escola com bom desempenho, acompanha as atividades de voluntariado de seu pai e costuma ser artilheiro nas peladas em que disputa. "Nós o adotamos por ser uma criança especial. Ele é muito inteligente. Ele preenche o nosso tempo e damos toda nossa atenção para ele", conta Sebastião. A visível paixão pelo menino, no entanto, desaparece ao comentar a falta do medicamento. "Não dá para explicar o descaso. Mas os políticos temem a pressão do povo, ainda mais em ano eleitoral", diz.
Após um ano e dois meses com o remédio, Wesley cresceu alguns centímetros e engordou, além de diminuir sintomas típicos, como a apneia do sono. Com a falta do remédio, os problemas do sono voltaram e, caso o medicamento deixe de ser usado, o garoto pode precisar de tubo de oxigênio e acompanhamento nas noites, dependendo da evolução do quadro. "A obstrução das vias aéreas já voltou. E ele também corre o risco de perder a visão, a audição e o movimento das articulações se ficar sem o remédio por muito tempo", esclarece Mara Lucia Santos, neuropediatra do Hospital Pequeno Príncipe. É impossível, porém, conceituar o "muito tempo", porque cada paciente apresenta reação distinta, segundo a médica.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) informou que o medicamento, por se tratar de uma demanda judicial, não entra na rotina de compra do órgão. A Sesa, no entanto, já notificou a Secretaria da Fazenda, que viabiliza a compra do remédio. Não existe prazo, contudo, para a normalização da distribuição.
Doença
Causada pela ausência ou insuficiência das enzimas responsáveis por degradar mucopolissacarídeos substâncias parecidas com o gel, presentes nas células , a mucopolissacaridose VI (MPSVI) é conhecida como "doença de acúmulo". Como o organismo não faz a quebra da substância, ela se acumula no cérebro, coração, olhos, fígado e nas articulações. "Mas as crianças têm inteligência normal", ressalta Mara Lucia. Outra característica comum aos portadores do tipo VI é a dificuldade para o desenvolvimento das articulações, com seu tamanho variando entre 70 centímetros a 1,40 metro.
Em geral, as crianças portadores da MPSVI moderada, caso de Wesley, vivem até os 13 ou 14 anos. "O fígado e o baço crescem muito em função do acúmulo da substância, causando, na maior parte dos casos, insuficiência respiratória ou cardíaca", explica Mara Lucia. Há, contudo, uma forma mais leve da enfermidade, permitindo vida mais longa.
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