"Criança de abrigo não faz rebelião. Não vai para o noticiário. Por isso, a situação delas parece invisível para a população", diz o juiz de Direito Rodrigo Collaço, 43 anos, presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). Em 2007, a instituição lança a campanha "Mude um Destino", com a qual será toda abraços à causa das crianças e adolescentes que passam a infância no silêncio das casas-lares. Promete alvoroço.

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A começar pelo material audiovisual, de autoria da jornalista catarinense Ângela Bastos, 44 anos, resultado de 30 horas de gravação em 14 abrigos de 13 cidades brasileiras. Em 59 minutos, o documentário "O que o destino me mandar" apresenta a fala de juízes, agentes e crianças e adolescentes de 7 a 17 anos. Foram feitas mil cópias do filme, 300 já pedidas à AMB e em vias de serem distribuídas nos próximos dias, antecipando o debate.

O encontro dos magistrados com Ângela foi ao acaso. A jornalista – especializada em matérias sobre riscos sociais no jornal o Diário Catarinense, em Florianópolis – apresentou num simpósio de juristas um outro trabalho de sua autoria, Flor do Pêssego, sobre abuso sexual. O estilo enxuto, com dados aos borbotões e vacinado contra a emoção fácil caiu no gosto da audiência, garantindo o convite e o financiamento para documentar os abrigos. Nada mal para quem atuava em causas difíceis, no varejo e no atacado. Já quase saiu no braço com um editor que queria dar o seguinte título a uma matéria: "Filho adotivo mata o pai". "Pô, alguém escreveria filho natural mata o pai?", esbraveja.

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As inserções nas casas-lares foram feitas sempre nos fins de semana, já que nos outros dias a rotina e as idas à escola colocavam as crianças numa situação quase comum. No sábado e domingo a realidade de um abrigado não tem despistes. "Quando vimos o filme ficamos chocados. Não tínhamos idéia de que havia 80 mil crianças nessa situação", diz Collaço, para quem a solução do problema passa por políticas públicas para atender os pais, garantindo a devolução rápida à família ou um diagnóstico preciso para facilitar a adoção. "Está claro que o sonho da criança é voltar para a família, mas a família precisa estar preparada para recebê-la. Os abrigos precisam de corpo técnico para responder a essa necessidade", defende, sobre a máxima de que enquanto os pais não forem tratados essa conversa é murro em ponta de faca.

Uma das estratégias da AMB será promover concursos entre os abrigos, estimulando mais agilidade nas adoções e nos retornos à família. O ranking também é uma forma de fazer com que as instituições sejam mais ativas, repassem mais informações ao poder e pressionem as varas para apressar os processos. Mas a associação quer mesmo é mexer no vespeiro – a cultura da adoção no Brasil, na qual se privilegia a menina, branca e nos primeiros anos de vida, justo as que não esquentam berço nas casas-lares. "A adoção já vem com um preconceito. Quer-se imitar a linha biológica e procura-se uma criança parecida", ilustra Collaço.

Nesse sentido, o documentário de Ângela Bastos deve levar a beijar a lona. Os depoimentos mostram preto-no-branco o sentimento de ter sobrado, de estar velho para a adoção, a solidão que não é uma melancolia passageira. Não faltam testemunhos dos que viram os pretendentes chegarem e ficar tudo isso mesmo."A gente ia sobrando, a gente ficou", diz um deles. "Ninguém ali fica feliz na festa de aniversário", comenta Ângela, para bons entendedores.

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