Grevistas da Polícia Militar que invadiram e ocupam a Assembleia Legislativa da Bahia, em Salvador, usam crianças e adolescentes como escudo, agravando a tensão e dificultando a operação de desocupação do prédio. O Ministério Público e deputados estaduais acusaram o comando de greve de usar os filhos dos militares (cerca de 150 estão lá dentro, segundo os líderes do movimento) para deter o avanço das tropas do Exército. Desde 5h30m desta segunda-feira (6), 850 homens da Brigada Paraquedista, da Polícia do Exército e de outras unidades federais, reforçados por contingentes da Polícia Federal e das polícias Militar e Civil e auxiliados por blindados e helicópteros, isolam o local.
Durante o dia, houve pelo menos cinco confrontos entre as tropas e manifestantes que tentavam entrar, furando o bloqueio. Decisão judicial assinada pelo juiz Adenilson Barbosa dos Santos, da Justiça estadual, determinou que os pais retirem já as crianças do local, mas, até o início da noite, apenas um casal deixou espontaneamente o local, em companhia dos três filhos. No fim da noite, mais cinco crianças saíram da Assembleia junto com familiares. Os manifestantes também se recusam a cumprir a obedecer à determinação de se retirarem do prédio.
O tenente-coronel Márcio Cunha, porta-voz da 6ª Região Militar, disse que os três objetivos da operação eram garantir o acesso do público ao Centro Administrativo da Bahia (CAB), onde fica a Assembleia, negociar a desocupação do prédio e cumprir os mandados de prisão contra 11 líderes da greve. Nenhum deles tinha sido cumprido até o início da noite desta segunda-feira. Após os primeiros confrontos com os grevistas, os acessos ao CAB foram fechados, parando o Tribunal de Justiça, a Procuradoria-Geral de Justiça e secretarias estaduais. A Assembleia não foi desocupada, e os dirigentes, incluindo o presidente da Associação dos Policiais, Bombeiros e de seus Familiares (Aspra), o ex-bombeiro Marco Prisco, continuavam soltos.
Grevistas armados
Os grevistas estão armados dentro da Assembleia, mesmo com a presença de crianças e mulheres. Enquanto a população acompanhava o desenrolar da operação, Salvador teve uma segunda-feira tensa. Desde o início da ocupação, na noite de terça-feira, grevistas foram vistos armados no local. Alguns cobriam parte do rosto com tocas ninja. Mas não houve disparo de arma de fogo. Os cinco confrontos ocorreram na área externa, fora da barreira de isolamento, com armas não letais. Para impedir a invasão, o Exército usou gás de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Num dos conflitos, os manifestantes atiraram dois tijolos e um saco de carvão contra os soldados. Efetivos com armas tradicionais foram mantidos à distância. Entre as pessoas que tentavam romper o cerco, juntando-se aos grevistas entrincheirados, havia mulheres e crianças. Uma delas se ajoelhou diante da tropa: "Quero ficar com o meu marido, mas não estão deixando", gritava Carmem Cinira Guerra, de 43 anos, que carregava no colo a filha de 1 ano e 10 meses.
Carmem se apresentou como mulher de um dos dirigentes do movimento, mas não disse de qual deles. Como ela, vários parentes e os próprios grevistas retardatários, que chegaram após erguido o cerco, levavam crianças. Desde sábado, Prisco conclamava as famílias dos colegas, no microfone e no site de sua entidade, a se unir aos invasores. Para estimulá-las a levar as crianças, chegou a instalar um pula-pula no local.
Para a promotora Mônica Barroso, do MP baiano, a inciativa é parte da estratégia de enfrentamento. Ela alertou que, diante do alto grau de risco, os pais poderão ser responsabilizados judicialmente pela atitude:
Identificados os responsáveis, eles poderão responder a processos com penas que vão desde o cumprimento de medidas administrativas até a perda do pátrio poder.
Dois integrantes do Conselho Tutelar levaram a decisão ao comando da greve. Um deles, que se identificou como Sérgio Luiz, disse que os filhos dos grevistas estavam fisicamente bem, mas "psicologicamente tensos num local que não é para crianças". Os líderes da greve se recusaram a liberar as crianças. Os dois membros do conselho ficaram então de retornar na manhã desta terça-feira. Também preocupado, o coordenador da ONG Conselho de Defesa da Criança e do Adolescente de Salvador, Waldemar de Oliveira, esteve na Assembleia: "Trouxe o meu apelo aos pais diante da possibilidade de confronto iminente".
Dos 11 dirigentes com mandado de prisão expedido pela Justiça, só Prisco revelou o paradeiro. Ele permanece na Assembleia, de onde comanda a greve de um recinto não divulgado pelos grevistas. A água e a energia no prédio onde funciona a Assembleia foram cortados, elevando ainda mais a tensão na área.