Três anos depois de ter sido criado por lei e recebido gratuitamente do FBI — o departamento federal de investigação dos Estados Unidos — um software fundamental para seu funcionamento, o banco de amostras de DNA de criminosos brasileiros está longe de um padrão ‘‘CSI’’, seriado americano que mostra mistérios desvendados por um grupo de cientistas forenses. Administrado pela Polícia Federal, o sistema, que integra órgãos de perícia genética de diversos estados, conta com apenas 569 condenados cadastrados, de acordo com um relatório do Ministério da Justiça. Mas, apesar de pequeno, o banco já ajudou a polícia a elucidar alguns casos.
O documento do governo, elaborado com dados coletados em todo o país até 28 de maio deste ano, destaca que “o número de cadastrados representa menos de 1% do total de condenados por crimes hediondos e contra a pessoa, que somaria, em todo o Brasil, aproximadamente 60 mil detentos”. Ainda segundo o relatório do Ministério da Justiça, para o banco de DNA desempenhar plenamente seu papel, “a lei precisa ser cumprida”.
A lei que abriu caminho para a criação do banco determina a obrigatoriedade da coleta de material genético dos sentenciados por crimes hediondos e dolosos praticados com violência grave. De acordo com especialistas, o baixo número de cadastrados é resultado de problemas que vão de falta de infraestrutura, com nove estados sem conexão com o sistema nacional, até a inexistência de procedimentos de coleta de amostras de DNA.
“Os órgãos envolvidos com o funcionamento do banco, principalmente os sistemas penitenciários e os departamentos de perícia genética dos estados brasileiros, precisam estabelecer um protocolo de coleta sistemática no início da execução penal. Não é possível desprezarmos uma ferramenta tão importante para a elucidação de muitos casos”, diz o promotor Thiago Pierobom, do Distrito Federal.
Além de amostras de DNA de 569 condenados, o banco guarda dados genéticos de 1.967 vestígios encontrados em locais de crimes ou em corpos de vítimas, como manchas de sangue, traços de sêmen e fios de cabelo. Há ainda amostras de DNA de 39 suspeitos, incluídas no sistema por determinação da Justiça.
Em outra frente, o sistema já cadastrou 1.046 amostras de DNA relacionadas a casos de pessoas desaparecidas, obtidas de parentes vivos ou de restos mortais.
Rede maior facilitaria elucidação de crimes
Ter um grande banco de amostras de DNA de criminosos significa mais chances de um caso ser solucionado. Cruzamentos de informações genéticas podem esclarecer, por exemplo, se um condenado esteve na cena de um outro crime. O sistema permite ainda que um vestígio encontrado no corpo de uma vítima seja comparado ao material coletado de um suspeito. Nas investigações de estupros, ressalta o promotor Thiago Pierobom, a rede de mapeamento genético tem um papel fundamental.
“Quando um perito pega a amostra de DNA de um estuprador já condenado e a compara com vestígios coletados em inquéritos parados, as chances de elucidação de outros casos aumentam”, destaca Pieorobom.
A morosidade dos processos criminais e a impunidade diminuiriam se houvesse uma coleta mais sistemática de provas periciais, incluindo amostras de DNA, afirma Ludmila Ribeiro, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela coordenou um levantamento, encomendado pelo Ministério da Justiça, de 786 homicídios praticados em capitais brasileiras. De acordo com a pesquisa, os crimes levaram, em média, sete anos e três meses para serem julgados, e somente 30% dos processos resultaram em condenações. A maior parte das absolvições, diz Ludmila, teve como motivo “falta de provas científicas”.
“A maioria dos processos criminais acaba sendo baseada em relatos de testemunhas. Algumas afirmam que viram ‘‘mais ou menos’’ os crimes, e muitas vão ao júri apenas para falar do caráter do réu. Então, a verdade é que milhares de suspeitos são absolvidos no Brasil por falta de provas técnicas”, lamenta Ludmila.
A necrópsia é o único exame pericial feito em larga escala no país, segundo a pesquisadora do Crisp. Ludmila afirma que a evolução da tecnologia vem sendo desprezada na área de investigação criminal.
“Muita gente esquece que, em diversos casos de homicídios, houve uma briga antes do tiro que provocou a morte. E, nessa briga, o autor do crime provavelmente deixou evidências de sua participação”, explica a pesquisadora.
Os nove estados que não integram a rede de amostras de DNA de condenados estão no Norte e no Nordeste. De acordo com o Ministério da Justiça, os que mais forneceram dados para o banco foram Pernambuco (250 cadastros), Paraná (82) e Paraíba (50).