• Carregando...

Não bastassem as obrigações de praxe da fantasia popular, como coordenar a fábrica de brinquedos, alimentar renas, atender crianças nos shoppings e viajar pelo mundo distribuindo presentes, o Papai Noel muitas vezes ainda precisa se encarregar da educação de filhos alheios. Não ele em si, é verdade. Mas a figura do bom velhinho é usada por inúmeros pais como forma de fazer seus pimpolhos andarem na linha.

Pequenas chantagens como "se você não for tomar banho, o Papai Noel não vai trazer presente", ou "se você não dormir na sua cama, o Papai Noel vai chegar lá, não vai encontrar ninguém e você não vai ganhar nada" são verdadeiros sucessos de público nesta época do ano – e normalmente dão resultado.

Os especialistas em psicologia infantil, entretanto, se opõem ao estratagema. "A palavra só vale se existe uma ação conseqüente", observa Ana Paola Lopes Lubi, psicóloga e mestre em Educação Infantil. "E isso não acontece, porque os pais vão dar o presente do mesmo jeito se a criança for malcriada. Passado um Natal em que ela não tenha se comportado e mesmo assim ganhe seu presente, ela já vai saber que a palavra dos pais não vale nada."

Nesse caso, de acordo com ela, nem poderia ser de outra forma: "Os pais fazem uma ameaça que não será cumprida – nem poderia ser, porque seria cruel. Você conhece algum pai que já tenha deixado de dar presente porque o filho não se comportou?", questiona a educadora.

Para ela, o Papai Noel até pode ser usado, mas nunca como instrumento de chantagem. "Se os pais querem que a criança abandone a chupeta ou a mamadeira, podem propor para ela – ‘olha como o Papai Noel está feliz, vamos aproveitar para entregar a mamadeira para ele?’", sugere. "Se ela quiser, ela entrega. Mas não pode ser uma ameaça."

A psicóloga educacional sistêmica Andréa Visneck da Costa vai na mesma linha. "A criança aprende a barganhar: ela entende que só vai ganhar as coisas se der algo em troca. E a barganha é coisa do mundo adulto, não do infantil", analisa. "Cria-se um mundo de mentiras, e depois elas passam a chantagear os pais – ‘só vou arrumar meu quarto se você me der um chocolate’", exemplifica.

A palavra-chave, segundo Andréa, é "firmeza": "A grande saída é a postura. É preciso coragem para bancar isso, porque a criança vai chorar, gritar, espernear, que é a maneira que ela conhece para demonstrar que está contrariada, mas tudo deve ser discutido em cima da verdade". No caso da chupeta, por exemplo, ela defende que os pais sejam inflexíveis: "‘Você vai largar a chupeta porque cresceu, tem de largar e pronto. Não tem mais chupeta, jogamos fora’. Não é um processo fácil, a tentação de fraquejar é grande, mas o seu filho vai crescer com base na verdade, aprenderá a lidar com as próprias frustrações e será um adulto melhor".

Caso contrário, sustenta, o que vai florescer na mente dos filhos é a impunidade. "Sim, porque os pais haviam prometido que o filho não ganharia presente se não fosse dormir na própria cama. Ele obedece até a noite de Natal, ganha o presente e volta a dormir na cama dos pais. Eles podem até reclamar e brigar, mas passados alguns dias, ficam com pena e permitem que a criança durma com eles. Imediatamente a criança conclui: ‘posso fazer o que eu quero que não me acontece nada’", ilustra.

O próprio Papai Noel confirma que os pais costumam usá-lo para que as crianças se comportem. "Ih, acontece direto, com umas cem crianças por dia. Antes de elas falarem comigo, os pais falam para eu cobrar isso ou aquilo, pedir a chupeta ou a mamadeira, fazer esse tipo de negociação", revela o comerciante Luimar Narciso Staben, 58 anos, o Noel do Shopping Mueller. "Mas eu nunca prometo que vou levar o presente, porque vai que ela fica esperando e o presente não chega..."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]