Os números de Nety enternecem. Essa mulher de 50 anos já adotou e depois organizou a doação de 600 cães ao longo de 10 anos; chegou a gastar R$ 3 mil em um único mês; teve 35 cães adultos ao mesmo tempo em casa; leva pelo menos 2 animais por semana para a castração - e paga do próprio bolso; já encontrou lar para 65 animais de rua na favela Savana; e ainda tem tempo para cuidar de seus próprios animais de estimação, 5 gatos e 3 cachorros.
E ainda tem os humanos. Nesse ínterim, ela ajusta o seu tempo para cuidar da casa, tocar um brechó, e assistir o marido e três filhos. O mais velho, de 21 anos, é técnico em informática e ajudou a mãe a criar o site Pet de Rua, apesar de não se acostumar com a casa cheia de cães. A do meio, de 20 anos, estuda enfermagem na PUCPR e dá uma mão para a mãe com o Facebook, folders e os eventos de doação. O mais novo, de 13, se diverte com a casa cheia, enquanto o marido ajuda a montar os estantes das feiras, arruma aqui e ali o canil da casa e ainda doma os gatos do ambiente.
É um bocado sofrido, mas é possível entender como tudo isso começou na vida de Nety. “Quando eu era criança meu pai maltratava os animais. Maltratava os cavalos que tínhamos no sítio, matava os nossos cachorros. Era outra cultura, vivíamos em Lages (Santa Catarina). Não se falava em castração, por exemplo. Eu já tive bezerrinhos, galinhas e porquinhos. Mas o meu pai matava para a gente comer. ‘Para não se apegar’, ele dizia. Eu cresci querendo proteger os animais”, conta, sem embargar a voz. Nety sabe que a vida precisa de ignição todos os dias.
Ela mora no Guabirotuba, onde coincidentemente nasceu o primeiro Matadouro da Curitiba, tem apenas o segundo grau completo e não larga a pena para um sonho: ainda quer cursar veterinária. “Tenho feito Enem todos os anos, mas não tenho ido muito bem. Geralmente não alcanço a pontuação mínima para os cursos, que costumam ser altas. Também não conseguiria cursar uma universidade particular, nem mesmo com desconto. Dou essa prioridade para os meus filhos”, afirma. Esse ano, contudo, vai descansá-la no tinteiro, mas como parte de uma estratégia. “Não vou fazer o Enem em 2016. Vou pular para fazer um cursinho e me preparar melhor para a prova do final de 2017”.
Apesar de não ter o nome assinado num diploma, ela dobrou o destino e se engajou em cursos de técnica em veterinária. Com o dia a dia, aprendeu a socorrer os animais que correm risco de vida. “Já sei ao menos a lidar com os mais nervosos”, indica. Ela não esmorece. “Eu mantenho a linha de resgate e doação. Já sou conhecida na internet e nos bairros da região. Sou o socorro de muita gente. Resgato, curo e coloco para a doação. Principalmente cães, mas também gatos”.
Nety organiza feiras de doação ao lado do Terminal do Boqueirão, no estacionamento de uma loja, uma vez por mês. Quando acolhe mais cães, as doações ocorrem uma vez a cada 15 dias. Tudo é organizado pela família: a feira em si, a agenda e o marketing. Ela já tentou abrir uma ONG com as amigas, mas financeiramente e rotineiramente as preocupações acabavam caindo no seu colo. Seguiu autodidata na arte de ajudar e também de olhar para o quintal do vizinho.
Segundo ela, suas doações acontecem mediante um compromisso. Ela visita os cães doados, conversa com os vizinhos, martela no WhatsApp dos amigos e se precisar pega o cão de volta. Para ela, não basta tirar da calçada. E nessa empreitada Nety conta com a ajuda primordial da médica veterinária Rita Gomes de Sá, da Climevet do Uberaba. Todos os cães que a doadora recolhe da rua recebem os cuidados da doutora, principalmente os abandonados ou os que vagam ao lado de pessoas em condição de vulnerabilidade social. Só em castração são de 2 a 4 por semana. Nety recolhe, transporta e gasta cerca de R$ 1 mil por mês nesse vai e vem. “Não gasto nada comigo, apenas com os animais”, afirma.
Ela já chegou a fazer rifas e anunciar seu trabalho em rádios, e ainda mantém um brechó na frente de casa, mas agora confia mais no site e nas informações trocadas pelo Facebook e no WhastApp. Nety afirma não confiar nas atitudes do poder público em relação aos animais. Sobre o castramóvel, acha que “operam muito pouco”; sobre as isenções, acredita que “adoção é um gesto de amor, não de dinheiro”; e também não gosta muito dos abrigos para animais, apesar de reconhecer sua importância. “Prefiro fazer tudo por minha conta”, conta. Os dias passam, os cães agradecem.