A carrinheira Cecília Pereira, 50 anos, mora de frente para o Rio Belém, na Vila das Torres. Sua casa é pequena misto de moradia com depósito. Quando chega em casa, todos os dias, olha para a paisagem logo ali e pensa que bom seria se aquela água turva fosse toda manilhada. "Faria um jardim em cima, com muita grama, plantaria árvores e ia colocar um banco na sombra para descansar. Ia ser a nossa praça", sonha. Os meninos Robson Gonçalves, 12, e Jonathan de Souza, 11, fariam algo parecido, até porque são proibidos de brincar na beira do Belém, para não ficarem doentes. "É perigoso. Se cobrissem, mudaria tudo", diz Robson, sobre um tema de consenso das Torres. A voz do povo é que o rio seja canalizado, à revelia da ira de ambientalistas.
Não é a única reivindicação popular tipicamente torrense. Quer-se calçada com árvores, um lugar para os cavalos, estrutura para a separação de lixo na porta das casas, atualização do sistema de esgoto: as bitolas de 100 mm deveriam ser substituídas pelas de 150 mm, evitando transtornos que atormentam os moradores. "Vivem dizendo que é mina dágua. Mas como é que não havia mina há 30 anos, quando vim morar aqui?", protesta Dorvalina de Lima, 57, diante do aguaceiro fedorento no quintal. O gerente da Sanepar, Fábio Queiroz, tem ciência das reclamações da vila. Argumenta que a bitola dos canos não é problema, pois o que define a eficiência do sistema é a capacidade dos grandes coletores, que podem ultrapassar 600 mm. "Identificamos a necessidade de uma extensão de mil metros da rede na Torres. Na cidade toda são cerca de 50 quilômetros. As obras acontecem nos próximos dois anos", explica.
Quando o assunto é a "infra", que se espere conversa mansa de beira de muro. Os próprios moradores trocam farpas, acusando, por exemplo, o mau uso do rio, a lixarada pelas ruas e uma falta de asseio que parece confirmar a imagem pouco alvissareira que parte da população tem da Vila das Torres. A conversa passa pela mesa das repartições, já que contra todas as evidências, o povo dali fala pelos cotovelos. O serviço 156 confirma. De acordo com dados do Instituto Curitiba de Informática, a vila foi responsável por 1.685 ligações em 2006, pouco mais do que uma por família. No topo das reclamações, iluminação pública, com 191 ligações. Na seqüência, o curioso pedido de coleta de lixo vegetal, com 143 pedidos; desratização (79) e coleta de entulhos (78). Ao todo, foram 240 tipos diferentes de pedidos, 11 envolvendo detritos. O lixo, até que provem contrário, é o problema e a solução por aquelas bandas.
Sobre uma das principais reclamações dos moradores da Vila das Torres, a falta de calçadas, o administrador da Regional da Matriz, Omar Akel, responde que as vias são muito estreitas, dificultando a construção. "Estamos identificando alguns trechos para fazer calçadas alternativas, estilo ciclovias, no próprio asfalto", explica. Além da revisão geral das calçadas, será construído um muro de arrimo no córrego do aviário, limpeza de beira de rio e trabalho de educação ambiental. "Os moradores reclamam que o rio está sujo, mas não percebem que eles mesmos contribuem para a poluição", comenta Akel.
Ações, aliás não faltam. Não se pode chamar a Vila das Torres de um lugar pacato, apesar do visual de sertão nordestino com paisagem européia ao fundo. A coleta e reciclagem é full time e, em torno dela, não tem sossego. Há cerca de 15 associações em campo, feito a Iniciativa Cultural, Associação de Moradores da Vila dos Ofícios, Associação de Moradores da Vila das Torres, Centro Comunitário Nossa Senhora Aparecida, Centro de Formação Santo Dias e o Instituto Vida Nova.
Sem falar na simpatia ocêanica de parcela da sociedade curitibana para com a causa da vila. A assistente social Maria José Mendonça percebeu isso e esboçou um dos projetos mais arrojados hoje desenvolvido nas Torres. Por meio de uma parceria com o curso de especialização em Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professores da instituição ministraram no ano passado módulos quinzenais sobre o conceito do estado, formação das cidades, resolução de conflitos, orçamento participativo e segurança pública. Ações semelhantes foram desenvolvidas em parceria com a Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR) em 2005.
Maria José, a Zuza, passou a infância e a adolescência na vila. Durante a faculdade, quis devolver um pouco do aprendizado que teve na convivência com a comunidade. Há dois anos, começou a delinear seu projeto de conclusão de curso, com o objetivo de valorizar os que tentam modificar a realidade local. Para a assistente social, o trabalho das entidades só pode surtir um efeito em ações a longo prazo. Ela critica soluções vistas como salvadoras. A veterana Vila das Torres não é para amadores.
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