Um rapaz moreno caminha a passos indecisos e para na esquina. Por detrás dos cabelos desgrenhados, os olhos vagos e um sorriso débil no rosto. Os sinais confirmam: ele é um dos mais de 12 mil dependentes de crack em Curitiba. Assim como outros usuários, ele vai todos os dias à Rua Desembargador Clotário Portugal, no Centro da capital, para "estourar pedras". Assim que a droga acaba, perambula pela região, sob efeitos do entorpecente.
"Eu acabei de fumar. Faz dois minutos", assente Everton Oliveira, 23 anos. "[O crack] me ajuda a esquecer", completa.
Assim como a Clotário Portugal, outros pontos de Curitiba se tornaram focos de atenção, por atraírem cotidianamente uma clientela fiel de usuários de drogas. São áreas como as margens do Rio Capanema, a Rua Riachuelo, terrenos no Parolin e alguns reassentamentos. Espaços que funcionam como "minicracolândias", que já preocupam o poder público.
Enfrentamento
Nessas próximas semanas de abril, a prefeitura deve pôr em prática uma nova tentativa de tratar os dependentes químicos. Dois ônibus com psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e agentes de saúde vão circular pelos pontos de consumo, com o objetivo de estabelecer vínculo com os usuários e oferecer-lhes um atendimento "mais humano".
Para isso, o município capacitou mais de 600 agentes comunitários, treinados em identificar pessoas em situação de risco como Everton e outros tantos frequentadores das minicracolândias e sensibilizá-los para necessidade de tratamento. Em outra ponta, o poder público vai convidar líderes comunitários a fortalecer esta rede.
Essência paulista
Apesar de não prever auxílio em dinheiro, o projeto curitibano tem a mesma essência da iniciativa lançada em janeiro pela prefeitura de São Paulo, que oferece trabalho e hospedagem a frequentadores da cracolândia. "O uso de drogas não pode ser visto como uma questão moral, de caráter. É uma questão de saúde pública. É uma doença e precisa ser olhada sob esse prisma", ressalta o diretor do departamento de Política Sobre Drogas da Secretaria Municipal da Defesa Social de Curitiba, Diogo Busse.
A cidade planeja, também nas próximas semanas, a expansão dos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) para além das seis unidades que hoje prestam atendimento aos dependentes. O programa também inovou ao incluir métodos terapêuticos não convencionais. Pacientes do Caps do Cajuru, por exemplo, passaram a frequentar aulas de ioga.
"A ideia é aumentar a cobertura [dos Caps] e a diversidade de ações. Além da abertura de novas unidades, queremos manter todas funcionando 24 horas", sintetizou o diretor do departamento de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Marcelo Kimati.
"Eu sou fraco perante a droga. Mas nunca roubei"
Três anos atrás, o vício em crack e em álcool fez com que Marcelo Avancini, de 38 anos, deixasse para trás o lar, a mulher e o emprego trabalhou por anos como garçom do Graciosa Country Club. Não queria que a família sofresse por vê-lo corroído pela dependência química. Na rua, vive da venda do artesanato que faz a partir de sucata de alumínio. Usa as latinhas para fumar "pedras", várias vezes ao dia. "Eu sou fraco perante a droga. Mas nunca roubei, nunca fui preso", ressaltou.
Articulado, o homem de fala mansa virou uma espécie de "líder do bem" da Praça Constantino Fanini, às margens do Rio Capanema, uma das minicracolândias de Curitiba. Ensina artesanato aos outros usuários e orienta-os a "não cair no lado errado". Os conselhos e os cuidados dispensados aos amigos lhe renderam o apelido de "Paizão".
"Eu roubava para comprar crack. Foi esse cara que me fez parar e sonhar com coisa melhor", diz Rodrigo, de 25 anos, um dos "filhos" de Avancini, e que se viciou depois que a mulher morreu.
Avancini reconhece a força da pedra. Já esteve internado por três vezes, mas sucumbiu às recaídas. "Não podia tomar uma cerveja, que já era", relembra. Sente vontade de se livrar do vício e recomeçar vida nova, mas sabe que, sozinho, não conseguirá abandonar o cachimbo.
De frente pro mar
Perto dali, outro frequentador da minicracolândia, Anderson Moreira, de 25 anos, construiu um barraco, à beira do Capanema. Caprichoso, decorou o local com um crucifixo, vasos de flores e bonecos. "E é de frente pro mar", brinca. É ali que se esconde para usar crack. Para comprar a droga, faz malabares em sinais de trânsito. O vício roubou um de seus muitos sonhos de juventude: trabalhar em circo. "Agora sei que é difícil. É difícil sair dessa, irmão. Por mais que queira, a pedra não deixa", lamentou.
No interior, atendimento a dependentes é "básico"
Denise Paro, da sucursal
Boa parte das principais cidades do interior do Paraná não contam com propostas alternativas para tratar de usuários de crack como a que Curitiba tenta implantar agora. À exceção de Londrina, que já implantou o Consultório de Rua, com uma equipe multidisciplinar que vai até os usuários, Ponta Grossa, Foz do Iguaçu, Maringá e Cascavel investem no tradicional: Centros de Atenção Psicossocial (Caps), leitos psiquiátricos, clínicas terapêuticas e recebem recursos do programa do governo federal, Crack é Possível Vencer. Na prática, porém, cada um tem suas dificuldades.
Em Foz do Iguaçu, por exemplo, cidade com fácil acesso às drogas em função da fronteira, não há clínicas terapêuticas. Os usuários precisam ser encaminhados a outras cidades.
Em Cascavel, a demanda é grande. Só o Conselho Municipal Antidrogas (Comad) atende cerca de 15 famílias por semana, encaminhado os pacientes para internações ou desintoxicação.
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