Keysa, 10 anos, saiu com dois livros, pensando em ler em 15 dias. No dia seguinte, porém, voltou para devolvê-los e pegar mais dois| Foto: Pedro Serápio/ Gazeta do Povo

Projeto

Biblioparques

O próximo projeto da Fundação Cultural de Curitiba é implantar "biblioparques" – bibliotecas móveis nos parques durante os fins de semana. Seriam carrinhos elétricos, como os que transportam bebidas, e ali seriam feitos os empréstimos. "O projeto está aprovado e pronto. A exemplo da Estação da Leitura vamos fazer protótipo para ver se vai funcionar", afirma Paulino Viapiana, presidente da Fundação Cultural de Curitiba. Segundo ele, o projeto deve ser implantado na primavera deste ano.

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Ponto de vista

Fora dos muros da escola

Os faróis – pequenos, abafa­­­dos, caros e de arquitetura de gosto duvidoso – viraram um modelo nacional de política de leitura. Graças a eles, a bi­­­blioteca escolar saiu do cor­­­redor escuro.

As políticas de leitura no município de Curitiba se assemelham a brincadeira de criança – rodopiam, rodopiam, até cair. Vale começar a conversa pelas bem-sucedidas bibliotecas de bairro, mantidas décadas atrás pela Fundação Cultural, mas pouco a pouco substituídas pelos Faróis do Saber – definitivamente, a grande invenção local no campo do letramento.

As "biblios de vila" funcionavam em casas – e não raro eram cuidadas pelos próprios vizinhos, provocando uma ótima cozinha entre leitura e comunidade. Restaram para contar essa história a Biblioteca Franco Giglio, na Campina do Siqueira, e a Kozák, na Vila São Paulo.

Parte da antipatia dos formadores de opinião para com os faróis, nascidos na década de 90, se deve ao luto pelas casas. Para ajudar, havia a desconfiança de que o novo modelo era oportunista e um sequestro: a leitura saía das mãos da cultura e ia para as da educação. Na primeira, a regra era o prazer e a informalidade. Na segunda, havia o perigo de se transformar em dever e desprazer.

Mas o inesperado aconteceu. Os faróis – pequenos, abafados, caros e de arquitetura de gosto duvidoso – viraram um modelo nacional de política de leitura. Graças a eles, a biblioteca escolar saiu do corredor escuro. No lugar do beco sem atrativos, o depósito de livros passou para a beira da rua, onde o livro ganhou uma visibilidade jamais vista.

Papas dos programas de leitura no Brasil, como o ex-secretário do Livro do MinC, Ota­­­­­­­­­viano de Fiore, teceram os maio­res elogios aos faróis. Mas nada impediu que a prefeitura decidisse deixar de abrir novas unidades e que várias delas tenham passado a reproduzir as velhas sinas: seus coordenadores eram professores em trânsito e não agentes de leitura.

As bibliotecas municipais que agora surgem funcionam, outra vez, dentro das escolas. São iluminadas, amplas, têm porta para a rua e acessíveis à comunidade. Mas ter de pedir licença para entrar e a desconfiança a que estão sujeitos os estranhos nas escolas tendem a intimidar nossos já frágeis leitores adultos. No mais, permanece o mesmo problema: a falta de agentes de leitura. Diante dos dados do último Pró-Livro, pesquisa do setor editorial publicada em 2008, essa função deveria ser colocada ao lado da dos médicos. Sem fomentadores há o vazio.

José Carlos Fernandes

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Não fossem os livros para empréstimo disponíveis no Terminal Pinheirinho, em Curitiba, a empregada doméstica Ana Gilda de Paula Ferreira não teria frequentado uma bi­­­blioteca até hoje. Não havia bibliotecas onde ela estudava na infância, em Palmital, no Centro-Sul do Paraná. No alto dos seus 42 anos, sustenta o gosto pela literatura relendo os livros que tem em casa. Entre a troca de um ônibus e outro até chegar em casa, Ana Gilda fez sua primeira ficha de biblioteca na última terça-feira, no terminal Pinheirinho. No local funciona desde a última sexta-feira uma minibiblioteca, com capacidade para 1,5 mil exemplares, batizada de Estação da Leitura. A prefeitura pretende levar o projeto para todos os terminais, ainda sem prazo definido. Iniciativa semelhante está ocorrendo na Rodoferroviária. Todas as sextas-feiras à noite, passageiros que aguardam embarque poderão emprestar livros. De acordo com a prefeitura, o programa é uma iniciativa inédita no país. "Concluímos, após ouvir opiniões de várias pessoas, que a maior dificuldade para ler é o acesso ao livro. Não têm bibliotecas nem Casas da Leitura próximas", diz Paulino Viapiana, presidente da Fundação Cultural de Curitiba. A prefeitura comprou novos exemplares e as indicações prometem ser boas. O usuário que for ao Terminal do Pinheirinho atrás de simples gibis irá encontrar contos de Machado de Assis e textos de Lima Barreto adaptados para os quadrinhos. Os que preferem terror recebem a indicação de obras do norte-americano H. P. Lovecraft. Para roman­­­ce, pode sair com Madame Bo­­­vary, de Gustave Flaubert. A procura já gera pedidos para inclusão ao acervo dos livros exigidos para o vestibular da Universidade Federal do Paraná (UFPR).Entretanto, a primeira experiência dos leitores com o espaço é marcada pela timidez. Tem quem pergunte se tem que pagar pelos livros, quem não está com os documentos para empréstimo e os desconfiados. Para a estudante Keysa dos Reis da Rocha, 10 anos, o sentimento foi de curiosidade quando o espaço ainda estava sendo montado. Fez seu cadastro no terceiro dia de funcionamento e saiu com as obras Bamboletras e Califa Cegonha nos braços. "Tenho que devolver no início de maio, acho que consigo ler até lá", disse, pensando no tempo livre nas viagens à escola dentro do ônibus Rio Bonito.

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No dia seguinte, no entanto, lá estava novamente a menina, no mesmo horário. "Comecei a ler já na volta de ônibus à noite e deu tempo", disse Keysa, que levava dessa vez Caldeirão de Histórias e Um Caldeirão de Poemas.

A média de empréstimos por dia fica em 70 exemplares. Para a retirada, basta apresentar um documento de identificação e informar o endereço. Com pouca burocracia, surge a dúvida se os livros serão devolvidos, o que não é possível responder por enquanto.

Benefícios

Segundo a professora Lúcia Pei­­xo­­­to Cheren, do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas da UFPR, quanto mais acesso ao livro, maior a leitura. "É importante esse estímulo num país como o nosso", diz. "Acho que qualquer livro sempre é vantagem. Está vendendo uma visão de mundo, é sempre uma abertura."

Lúcia sustenta que os espaços públicos disponibilizem vários tipos de texto, não só a literatura, como é o caso da Estação da Leitura. Isso incentivaria a maior procura e maior retorno dos leitores, opina a professora.

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Independentemente disso, a empregada doméstica Ana Gilda, que conheceu uma biblioteca recentemente, já pensa nos próximos livros, já que gasta 1h20 em três ônibus para ir ao trabalho. "Tem bastante livro e me interessei por vários", disse, segurando O Quarto Fechado, de Lya Luft. "Quero que continue. Para a gente que não tem tempo isso é bom."

Bibliotecas por iniciativa da comunidade

Alegando poucas iniciativas do poder público, comunidades percebem a importância de ter bibliotecas e se mobilizam neste sentido. Uma delas é a Vila das Torres, em Curitiba, que inaugurou em setembro de 2009 um espaço comunitário para os livros. Começou com 280 exemplares, a maioria salva pelos carrinheiros, e agora atinge um acervo de cerca de 5 mil exemplares.

A iniciativa da Vila das Torres repercutiu na imprensa e de lá para cá os pioneiros receberam 288 ligações para doações, visitas e de interessados em montar programa semelhante. Estão em discussão espaços nos bairros Campo Com­prido e Parolin e no município de Piraquara, na região metropolitana. A coordenadora do projeto na Vila das Torres, Valdime Alves Batista Ferreira, propõe até uma espécie de rede de bibliotecas comunitárias: "Podemos ser base de arrecadadores para eles".

Passados sete meses do projeto pioneiro, a mobilização em torno da biblioteca comunitária só cresceu. Hoje há uma casa de apoio, que oferece atividades de contraturno escolar. As irmãs Juliane, 10 anos, e Jhenifer Cordeiro, 12 anos, participam da biblioteca desde o início. Calcula-se que as meninas leram juntas pelo menos 35 livros no período. "Eu lia mais ou menos. Era difícil no começo", diz Juliane. Após muitos contos de fada, as notas das meninas em português passaram de 5 para 9. O próximo desafio é incluir os adultos nas atividades.

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No shoppping

A biblioteca montada no Omar Shopping até conseguiu mobilizar os adultos no início do projeto, em agosto de 2009. A dificuldade agora é fazer com que as pes­­­soas devolvam as obras. "Tenho certeza que a quantidade de livros foi mais de mil. Hoje está bem pouco porque as pessoas não devolvem. No máximo chega a 100 livros", diz Madalena Kriwouruska, fundadora do programa.

O acervo é mantido graças a doações de amigos. "Mas a gente não perde a esperança, continua", diz Madalena.