Diante das denúncias de manipulação de licitações, pagamento de propina e adulteração de multas envolvendo a empresa Consilux, o prefeito de Curitiba, Luciano Ducci, determinou ontem a rescisão do contrato com a empresa. A Consilux atua desde 1998 na cidade e desde abril do ano passado opera 119 radares de fiscalização de trânsito na capital. Os equipamentos produzem uma média 2,7 mil multas por dia. O anúncio foi feito em pronunciamento de Ducci na Câmara Municipal.O cancelamento da licitação será conduzido pela Procuradoria-Geral do Município e pela Urbanização de Curitiba S/A (Urbs). "Pedi à procuradoria para rescindir o contrato com a Consilux e, ao mesmo tempo, pedi para que a Urbs e a Diretran assumam o sistema. Nós vamos estatizar o sistema de radares", explicou Ducci, que não especificou prazos para que a medida seja cumprida. O prefeito não soube informar com detalhes como será feita a argumentação jurídica da rescisão e nem como ficará a fiscalização assim que a suspensão do contrato for formalizada.
De acordo com o presidente da Urbs, Marcos Isfer, a prefeitura pretende negociar com a empresa a partir de hoje e adquirir os radares utilizados atualmente. "Vamos incorporar os equipamentos que estão nas ruas, que fazem a fiscalização. A geração das multas continuará sendo feita pela Urbs", diz.
Isfer revelou que a prefeitura dispõe da estrutura de operação interna dos radares, entretanto, precisa montar uma estrutura de operação externa, como de manutenção dos equipamentos. "Não temos nenhuma estimativa [de gastos para incorporar os equipamentos]. Vamos aguardar os procedimentos jurídicos e os procedimentos necessários para determinar estes valores", revela.
Aspectos legais
Em Curitiba, a última licitação vencida pela Consilux foi em janeiro do ano passado. A rescisão está prevista na claúsula 13.ª deste último contrato, a cuja minuta a Gazeta do Povo teve acesso. Segundo o documento, "constituem motivos para rescisão aqueles previstos no artigo 78 da Lei de Licitações (Lei Federal n.º 8.666/1993)".
No inciso 12.º do artigo citado na minuta, a lei especifica que constituem motivo para rescisão do contrato: "razões de interesse público, de alta relevância e amplo conhecimento, justificadas e determinadas pela máxima autoridade da esfera administrativa a que está subordinado o contratante e exaradas no processo administrativo a que se refere o contrato".
Segundo o presidente da Comissão de Gestão Pública da seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil, Rodrigo Pironte, a rescisão unilateral do contrato é possível e está prevista na lei. Ela deve ser motivada por razões de interesse público, conferindo a possibilidade de defesa à empresa que teve o contrato rescindido. "A rescisão unilateral é uma prerrogativa da administração pública e, desde que realizada com justo motivo, não impõe o pagamento de multa com caráter sancionatório", esclarece. Na minuta não consta valor de multa rescisória.
O professor de Direito da Universidade Federal do Paraná Egon Bockmann Moreira diz que a prefeitura pode rescindir o contrato, desde que indenize a empresa com lucros cessantes (o que viria a arrecadar ao longo do tempo de contrato) e eventuais danos da empresa. "Pode até ter sido um bom negócio no aspecto político, mas no comercial pode ser um mau negócio. Para a prefeitura tomar uma providência jurídica, ela necessita de um fato com consistência jurídica. Fora o fato de que a decisão pode ser questionada judicialmente."
A Consilux arrecada cerca de R$ 950 mil por mês para operar 140 radares (no entanto, 21 ainda não foram instalados, segundo a Urbs) e 50 lombadas eletrônicas (apenas 18 estão em funcionamento outras 30 são de responsabilidade da empresa da Perkons) em Curitiba. O contrato iria até abril de 2012.
Por meio de nota, a empresa diz que "aguarda com tranquilidade o desenrolar dos fatos". De acordo com o comunicado, a "Consilux mantém a operação normalmente até que seja comunicada oficialmente sobre esta decisão, quando, através de seu departamento jurídico, decidirá que procedimentos devem ser tomados, já que não há qualquer suspeição sobre os contratos vigentes".
Oposição quer CPI
O vereador Jonny Stica, líder do PT na Câmara, afirmou que mantém a intenção de abrir uma CPI para investigar os detalhes do contrato da Consilux com a prefeitura de Curitiba. Ainda ontem, por unanimidade, os vereadores aprovaram a convocação de Marcos Isfer para prestar esclarecimentos na Câmara sobre as denúncias. A data ainda não foi marcada.
A decisão de rescindir o contrato com a Consilux é resultado da repercussão das denúncias apresentadas pelo programa Fantástico, da Rede Globo, no domingo à noite. A reportagem mostrou a existência de uma "máfia de radares" no país, que movimenta cerca de R$ 2 bilhões por ano por meio de pagamento de propinas a gestores públicos de prefeituras.
Entre os citados na reportagem está o diretor comercial da Consilux, Heterley Richter Jr., que aparece no vídeo dizendo que é possível negociar até 5% do valor do contrato como propina e admitindo a possibilidade de apagar multas de motoristas infratores, o que admitiu já ter sido feito em Curitiba. Na segunda-feira, a Consilux informou que demitiu Richter e que é impossível apagar infrações do sistema.
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