“Mariana amanheceu diferente. A sensação era de que o ar poderia ser cortado à faca. A primeira capital de Minas Gerais, interiorana, alegre, com vida própria vivia – e ainda vive – a tragédia que atingiu seus distritos.
Na cidade, a tranquilidade deu lugar aos passos rápidos de quem leva doações de itens básicos para os sobreviventes, de quem dedica seu tempo a ajudá-los ou de quem simplesmente não entende ainda o que aconteceu. Por mais real que seja o rompimento das barragens e a destruição de Bento Rodrigues (entre outros locais), nós não passamos por estes cenários. Aqui, a realidade reside dos olhares que se cruzam e não compreendem como isso pode ter acontecido. Os questionamentos – implícitos e explícitos – giram em torno disso. Como uma catástrofe como esta não foi prevista? Como entender o que aconteceu? Como olhar nos olhos dos que perderam a casa, as roupas, os amigos, a família? E como reconstruir uma comunidade?
A pouca atenção à compreensão do que levou a isso deixa na cidade marcas tão fortes quanto o acontecimento. Dói saber que (des)conhecidos desapareceram, que famílias foram desfeitas, que crianças estão separadas de seus pais. Dói ver essa tragédia ecoar na cidade, mudar seu humor, sua rotina, a feição dos seus. Dói ver não só a despreocupação em compreender os porquês, mas ter que escutar ou ler meios de comunicação pedindo à sociedade que não procure por culpados, que não peça justiça.
Esse cenário gera sensações de impotência – por não poder clamar por justiça, por não poder recompor a vida de quem a perdeu, por não poder voltar ao que era, por não poder controlar a lama cheia de resíduos de minério que toma conta de mais e mais comunidades a cada dia – e uma frustração quase indescritíveis. São esses sentimentos que tornam o ar espesso, mais difícil de respirar.
Essa sensação só é aliviada pela solidariedade, pela empatia, pela dedicação dos marianenses de nascimento e de coração que estão parando suas vidas para ajudar aqueles que nem conhecem. A mobilização da sociedade – e merece destaque a ação dos estudantes da UFOP nos campus Mariana e Ouro Preto – ajuda a respirar. A preocupação de cada pessoa com quem se encontra diariamente mostra que existe mais do que a tragédia: há uma comunidade, há pessoas dispostas a dividir o pouco que têm para tornar um pouco menos difícil passar por isso.
Ainda há muito o que fazer por estas comunidades. E muito o que viver para o ar de Mariana voltar ao normal.”
*Débora Cristina Lopez é jornalista e professora universitária, nascida em Curitiba e moradora de Mariana há 1 ano e meio.
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