As ruas de Curitiba abrigam muitas histórias: tem o senhor que fez de uma churrasqueira em um parque sua morada, a qual recusa abandonar mesmo nas noites mais frias; tem o haitiano que há três anos buscou refúgio no Brasil, mas não conseguiu fugir das estatísticas de desemprego e hoje dorme em uma barraca improvisada; tem a moça de 32 anos, mãe, em situação de rua e dependência química, que ainda resiste à ajuda oferecida.
Entre tantas histórias de vida, essas foram algumas das que confrontaram a auxiliar administrativa Fernanda Costa na noite da última segunda-feira (13). Enquanto os termômetros despencavam, ela se uniu à uma equipe da Fundação de Ação Social (FAS) e percorreu dezenas de ruas da capital para oferecer acolhimento às pessoas em situação de rua e em risco por causa do frio intenso. Fernanda não era estreante no voluntariado, mas a experiência, garantiu, foi uma das mais marcantes que já vivenciou.
“Foi uma troca marcante, que me proporcionou uma visão nova da cidade. A maioria vê as pessoas em situação de rua como um problema ‘da cidade’, mas é um problema nosso. São pessoas que podem morrer de frio. É uma situação tamanha de não dignidade, a rua representa uma ruptura na vida dessas pessoas.”
Fernanda é uma dos mais de 600 voluntários que aceitaram o convite para se juntar aos profissionais da FAS em um movimento de solidariedade durante a edição 2016 da Operação Inverno, durante a qual são realizadas várias ações para ampliar o atendimento à população vulnerável nos meses mais frios do ano.
“O atendimento com o acompanhamento do voluntário não muda, mas um olhar externo pode ajudar na sensibilização. Já aconteceu de um morador de rua que sempre recusava o acolhimento aceitar após uma longa conversa com um voluntário. Convidar o cidadão a conhecer a abordagem é uma política de participação inovadora. É uma experiência de humanidade, de diálogo”, explica Antonio Rocha, assessor técnico da FAS.
Trabalho de formiguinha
O papel dos voluntários é reforçar as equipes de Abordagem Social e auxiliar no convencimento dos moradores para aceitarem o encaminhamento a uma das 18 unidades de atendimento especializadas de Curitiba. Embora para quem não atua na área pareça óbvio que uma pessoa em situação se rua queira ser acolhida durante madrugadas gélidas, são muitos os casos de resistência.
Durante a jornada voluntária de Fernanda, apenas dois quiseram ir para o abrigo. “A maioria tinha um cantinho e os pertences deles e não queriam sair dali. É um trabalho de sensibilização ‘bem formiguinha’. Percebi que todos são muito carentes, mas também desconfiados, têm medo. Mas quando o estranhamento passava, eles começavam a conversar e não deixavam a gente ir embora.”
Há outros motivos além do apego aos poucos pertences. Segundo Rocha, alguns rejeitam o acolhimento porque não podem consumir álcool nos abrigos; outros têm vergonha porque perderam a capacidade de se proteger; há os que se recusam a deixar os animais de estimação ao relento e aqueles que não querem ir porque não há vagas para casais. As doações também podem ser problemáticas.
“São solidárias mas nem sempre responsáveis. Muitas pessoas preferem ficar na rua aguardando a doação”, explica Rocha. O problema é que muitas doações são alvo de reclamações por parte de comerciantes e moradores e acabam sendo recolhidas logo depois. “Tentamos não recolher o que sabemos que é pertence de uma pessoa em situação de rua. Por outro lado, o município tem o dever de zelar pela limpeza da cidade. É complexo.”