Em uma noite agradável depois de um sábado ensolarado, milhares de curitibanos foram à Boca Maldita para assistir à apresentação gratuita do musical “Cazuza Pro Dia Nascer Feliz”, que conta a história do ídolo dos anos 80, embalado por dezenas de suas músicas mais famosas. Eclético e tranquilo, o público aplaudiu, fez coro com o elenco e pediu bis de eventos abertos, mas com mais organização.
Os primeiros fãs do cantor começaram a chegar ao fim da tarde para ocupar as cadeiras disponíveis à frente do palco. No início do show, a multidão já cobria o calçadão da rua das flores ao longo de um quarteirão, apertando-se para ver o espetáculo mais de perto. “Esse tipo de evento abre portas para as pessoas terem mais acesso à cultura, principalmente quem não tem condições de comprar o ingresso de um teatro”, diz a gerente de relacionamento Hellen Savian, fã de Cazuza, que preferiu assistir de longe com maior espaço e sugeriu telões para os próximos eventos. Sem conseguir ver a peça de perto, muitos desistiram e deixaram o local no início do espetáculo.
Mas a maior reclamação foi o trânsito na Avenida Luiz Xavier, que mesmo sendo a menor do mundo, incomodou muita gente. “Tinham que ter fechado a rua, não ia atrapalhar o fluxo neste horário e abriria muito espaço para o público”, disse o ambulante Alessio Lourenço, enquanto uma viatura da Guarda Municipal, o único sinal de policiamento, ligava a sirene na avenida gerando reclamações do público. Apesar disso, o vendedor comemorava as vendas e o bom tempo. “Já vou ter que ir buscar mais cerveja”.
“O evento não é da prefeitura, mas é uma ideia para ela promover mais como este, os curitibanos prestigiam e tomam conta do espaço público”, disse a analista de informática Anelise Kosteke.
O musical passou por Vitória (ES) e, além de Curitiba, será realizado em Florianópolis (SC), Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ).
Opinião
No ano passado, o musical sobre Cazuza estreou no palco do Guairão dia 31 de maio. Leia abaixo a apreciação feita pela repórter da Gazeta do Povo Kátia Brembatti naquela ocasião:
“Poeta de uma geração, Cazuza tem a alma revelada no musical. A peça traz os principais momentos da vida do artista: a relação com Ney Matogrosso, o envolvimento com as drogas, o surgimento da banda Barão Vermelho, a decisão de partir em carreira solo até o momento em que a aids se manifesta.
No aspecto físico, o ator Emílio Dantas aposta nos trejeitos para se parecer com Cazuza. Mas o que surpreende é a voz incrivelmente semelhante. Cazuza não era politicamente correto. Odiava caretices. E é assim, temperamental e rebelde, que o artista é retratado no palco. Com direito a bundalelê e tudo.
Nos tempos atuais, em que qualquer espontaneidade no mundo artístico fica parecendo jogada de marketing, perceber a originalidade de Cazuza provoca suspiros de nostalgia.
A ligação muito forte com a mãe é o fio condutor da peça “Cazuza: Pro Dia Nascer Feliz, O Musical”. Lucinha Araújo é interpretada magistralmente por Susana Ribeiro, dona de uma voz potente e doce ao mesmo tempo. É secundário o papel do pai, que foi importante na carreira de Cazuza inclusive por ser um executivo de uma gravadora. A apresentação tem vários momentos cômicos, especialmente os protagonizados por André Dias, que rouba a cena na pele do produtor musical Ezequiel Neves.
São poucos os musicais encenados no Brasil – muito mais escassos ainda os que falam de assuntos nacionais. Mas, depois do sucesso do espetáculo cantado sobre a vida de Tim Maia, o diretor João Fonseca fez uma nova investida.
Para quem rejeita musicais que transformam em canção um simples bom dia, a boa notícia é que a peça sobre Cazuza separa interpretação teatral e “cantoria”. As músicas são encaixadas no espetáculo como falas dos atores, representando o momento vivido pelo artista. Assim, letras menos conhecidas do público são incorporadas ao espetáculo por revelarem mais sobre a personalidade do autor.
O cenário de madeira é funcional e serve aos “passeios” dos atores por vários lugares. Em um pedestal, os músicos que tocam ao vivo ficam atrás de um pano quase transparente, usado para projeções. Quem está no fundo do teatro sofre um pouco, em algumas cenas, para entender o que os atores dizem – seja por falhas na acústica, seja por problemas na aparelhagem de som ou até mesmo por opção do roteiro, que deixa falas propositalmente confusas.
A opção pelos arranjos já conhecidos do público se mostra adequada, permitindo a identificação imediata da plateia e servindo como um registro histórico. O visual dos anos 80, em roupas e cortes de cabelos, ajuda a transportar os espectadores três décadas no tempo.
A obra aposta muito mais no canto do que na dança, que está presente em momentos pontuais. Quem for ao teatro, não se arrependerá – mas já deve estar preparado para uma apresentação demorada. São 3 horas de apresentação, com direito a intervalo bem no momento da transição para a fase em que o cantor sente os efeitos da aids. A segunda etapa é mais emotiva e intimista. Ao cantar, já sem forças, “Vida louca vida, vida breve/já que eu não posso te levar/Quero que você me leve”, o ator, encolhido em uma cadeira de rodas, emociona o público ao resumir o que o astro sentia naquele momento.
A peça mostra um Cazuza brincalhão até os últimos momentos, que nunca se entregou à morte e ciente de que escolheu o caminho de viver intensamente, com todas as consequências.”
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