Ouvir um potencial suicida falar e, por si só, fazê-lo encontrar outro caminho é a tarefa do Centro de Valorização da Vida (CVV). Mas quem quiser ser um voluntário precisa passar por um curso que pode durar até dez meses, dominar a técnica de atendimento do grupo e desafiar seus próprios dilemas. O retorno disso tudo? Dificilmente alguém sairá dali da mesma forma que entrou.
A Gazeta do Povo acompanhou um dos três dias que compõem a primeira fase do curso de voluntariado da CVV em Curitiba. Nessa etapa, além de uma apresentação sobre a instituição, começam a surgir as primeiras perguntas retóricas que levam os candidatos a pensar sobre o porquê de estarem ali e porque o suicídio é uma das grandes questões da sociedade moderna. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), três mil pessoas se suicidam diariamente.
Levados a pensar sobre o assunto, os candidatos apontaram falta de tempo, vaidade, ambição, pressão para atingir padrões de excelência e beleza como algumas das justificativas que têm desencadeado doenças mentais capazes de levar uma pessoa a tirar a própria vida. Mas o distanciamento da crítica fez o instrutor alertar: “problemas da sociedade não. Problemas vividos por nós todos”.
Apontar os erros do homem moderno sem olhar para si próprio é uma arapuca comum. E esse é um dos motivos do curso ser tão extenso. “Queremos que as pessoas ouçam e levem o conteúdo da preparação para o contexto de suas vidas. Com o passar das semanas, elas vão refletir se é isso mesmo que querem”, afirmou o instrutor, que também é voluntário.
A turma de candidatos ao voluntariado acompanhada pela reportagem começou maior que o de costume -- havia cerca de 40 candidatos na sala que recebeu a primeira aula. A procura aumentou em função do Setembro Amarelo, mês em que é reforçada a divulgação sobre a prevenção ao suicídio. O perfil dos candidatos era diverso, indo de aposentados, passando por estudantes de psicologia, advogados, engenheiros e até a um ex-DJ que se converteu ao budismo. O CVV não tem inclinação política nem religiosa.
Desistência
A seleção é rigorosa com os voluntários. Mas geralmente são eles próprios que acabam se selecionando. A taxa de desistência é alta. “Às vezes são 30 pessoas em uma turma e ficam oito ou até seis. A própria pessoa desiste porque há temas tabus que alguns ainda não se sentem preparados para lidar”, afirma Quintino Dagostin, porta-voz do CVV em Curitiba.
Passada a primeira etapa, os candidatos partem para mais três etapas, cuja duração total pode chegar a seis meses. A pessoa passa a ser voluntária apenas depois realizar estágios acompanhados. E mesmo depois de aprovado, ela continua sendo treinado periodicamente. Fora reuniões ou escalas de rodízio, o tempo de dedicação ao serviço é de 4 horas e meia por semana. São quatro horas de atendimento e 15 minutos antes e 15 depois para se “zerar”, como dizem os voluntários. E nessa metade de hora que a pessoa se despe dos seus problemas particulares para ouvir as emoções das outras. Ao final, o trabalho é não levar consigo esses problemas.
Os voluntários do CVV atendem presencialmente, por telefone ou via chat, Skype e e-mail. O atendimento em Curitiba pelo telefone 141 ocorre 24 horas por dia. É possível consultar os horários de atendimento para outras cidades e canais no site da instituição.