Erros e acertos no novo "vestibular"
No ano passado o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) criou uma nova forma de ingresso nas universidades federais de todo o país. A mudança faz parte de um pacote de alterações proposto pelo Ministério da Educação (MEC), que instituiu o chamado novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Antes da seleção unificada
Universidades só para ricos
Tatiana Duarte
Na opinião do ministro da Educação, Fernando Haddad, o sistema de vestibular no Brasil criou uma espécie de cotas para a população mais abastada. A afirmação foi feita durante palestra proferida no Encontro Latino-Americano de Comunicadores, que reuniu jornalistas e educadores de 12 países, em Foz do Iguaçu (PR).
De acordo com Haddad, somente as famílias de estudantes que têm condições de pagar várias taxas de vestibular é que conseguem tentar vagas em mais de uma instituição de ensino superior. "Sem contar que temos um ensino médio massacrado, com o currículo pautado pelos vestibulares que geraram uma quantidade absurda de conteúdos que ninguém é capaz de dominar", afirmou.
Para o ministro, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e o novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) são instrumentos criados pelo governo para lutar contra a indústria de cursos preparatórios existente no país e democratizar o acesso ao ensino superior. Haddad ressalta que com o Sisu os estudantes tiveram a oportunidade de tentar vaga em 50 instituições federais de ensino superior, sendo 24 universidades e 26 institutos. "Nenhum estudante pode abandonar o curso por falta condições socioeconômicas e vamos garantir as condições mínimas de moradia e alimentação", disse.
Sisu ainda precisa melhorar o processo
Para o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Alan Barbiero, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) teve problemas iniciais, mas é uma boa alternativa para o ensino superior brasileiro. A avaliação inicial já que os dados ainda não estão disponíveis é de que o programa está em construção e nas próximas edições os problemas serão solucionados. "Não há, para o candidato, a notícia súbita de que ele não foi aprovado. Com a mesma nota ele pode tentar uma vaga no próximo processo. Isso é positivo", explica.
Um ponto que precisa ser melhorado, na avaliação de Barbiero, é a democratização do ensino superior. O Sisu faz parte de um programa maior, o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que tem o objetivo de expandir em quase 50% as vagas nas universidades públicas brasileiras. Mas para isso é preciso investimento financeiro, incluindo a educação básica.
No Paraná, após nove chamadas, todas as 2.784 vagas ofertadas foram preenchidas. O Sisu é agora a única forma de ingresso na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Os últimos estudantes chamados perderam 25% das aulas, porque o processo se prolongou mais do que o esperado. Apesar dos contratempos, a avaliação sobre o Sisu é positiva. O atraso nas últimas chamadas é considerado normal e os demais problemas devem ser corrigidos. "Para um processo inicial, o saldo foi positivo. Há o que melhorar e isso deve ser feito no próximo ano", diz Jair Almeida, coordenador do departamento de processos seletivos da UTFPR. (PC)
O estudante Saulo Penha percorreu três mil quilômetros em busca de uma oportunidade para cursar o ensino superior. Ele queria fazer Engenharia Civil. No início do ano, saiu de São Luís, no Maranhão, e veio para a capital paranaense, onde conseguiu uma vaga na graduação. Saulo faz parte de um grupo de oito mil jovens brasileiros que mudaram de estado este ano para estudar. A mobilidade foi proporcionada pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que permite ao candidato utilizar a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para ingressar em universidades de todo o país.
Apesar de não precisar fazer dezenas de vestibulares para entrar na graduação, os candidatos reclamam da falta de apoio do governo federal quando o aluno consegue a vaga em um lugar longe de casa. Faltam moradias e restaurantes universitários, além de bolsas-auxílio, o que faz com que estudantes de baixa renda não possam estudar devido à falta de dinheiro para a mudança. O Ministério da Educação (MEC), por outro lado, argumenta que vem aumentando o valor destinado à assistência estudantil, passando de R$ 126 milhões, em 2008, para R$ 300 milhões em 2010.
O Paraná ocupa a quinta posição dos estados que mais receberam estudantes de outras unidades da federação: na única instituição que participou do Sisu, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), o porcentual de universitários que vieram de outros estados subiu de 10% (antes do Sisu) para 37% de acordo com dados preliminares do MEC. O índice foi parecido em outros lugares, como Santa Catarina e Tocantins.
O Sisu é um sistema mais democrático que o vestibular, segundo o MEC. Isso porque se o estudante não atingiu a nota mínima para uma determinada universidade na região onde mora, por exemplo, pode tentar em outra instituição. E, apesar das facilidades ofertadas pelo novo sistema, a mobilidade oferecida é criticada por estudantes que se veem de mãos atadas quando conquistam a vaga mas não têm condições de bancar os estudos longe de casa.
O caso de Saulo Penha é uma demonstração de que sem dinheiro é inviável se mudar. O curso de Engenharia Civil da UTFPR tem aulas no período da tarde e noite e ele só consegue se manter em Curitiba graças ao auxílio da família. No início do ano, ele e o pai vieram para a capital paranaense em busca de um apartamento e tiveram dificuldades para encontrar. A situação financeira do pai, que é engenheiro, ficou um pouco apertada no início. "Vim para cá porque a universidade é melhor e o mercado de trabalho oferece mais oportunidades. Mas tive diversos amigos que ficaram em São Luís por falta de dinheiro. Eles poderiam estar em instituições melhores", diz.
Críticas
A professora da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes- SN) Lighia Horodynski-Matsushigue tem uma opinião crítica sobre o Sisu. Para ela, a relação candidato-vaga continua a mesma nos cursos mais concorridos, porém, ao invés de atrair estudantes do estado de origem, quem ocupa estas vagas são jovens, em sua maioria, com boa renda familiar das regiões Sul e Sudeste. São eles que, por exemplo, têm família para bancar os estudos em outros estados. O resultado, segundo a professora, é que as universidades formarão médicos e advogados que provavelmente não ficarão nas localidades que estudaram, aumentando as diferenças regionais. "É um crime quando se olha a nação como um todo", afirma.
No plano conceitual, ela afirma que na verdade o novo Enem perdeu totalmente as características do antigo exame. Quando foi criado, a adesão era voluntária e a prova era interdisciplinar. "O MEC resolveu usar a logomarca. Provavelmente o Sisu não ajudará a democratizar o acesso". Lighia afirma isso com base em resultados preliminares de algumas universidades. Ao invés de incluir, o Sisu excluiu ainda mais os estudantes de baixa renda. "Claro que a expansão do ensino deve ser uma prioridade, mas é preciso planejamento e cuidado, porque o sistema é complexo."
A professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e doutora em Educação Bertha do Valle acredita que o Sisu pode ajudar a democratizar o ensino superior, mas para isso é preciso algumas melhorias. Ela argumenta que se não houver assistência, muitos jovens inteligentes de locais afastados continuarão sem acesso a uma boa universidade. "Como um menino do Rio vai estudar no interior da Bahia e vice-versa? Eles precisam de alimentação, moradia e assistência."
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