O estudante Saulo Penha percorreu três mil quilômetros em busca de uma oportunidade para cursar o ensino superior. Ele queria fazer Engenharia Civil. No início do ano, saiu de São Luís, no Maranhão, e veio para a capital paranaense, onde conseguiu uma vaga na graduação. Saulo faz parte de um grupo de oito mil jovens brasileiros que mudaram de estado este ano para estudar. A mobilidade foi proporcionada pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que permite ao candidato utilizar a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para ingressar em universidades de todo o país.
Apesar de não precisar fazer dezenas de vestibulares para entrar na graduação, os candidatos reclamam da falta de apoio do governo federal quando o aluno consegue a vaga em um lugar longe de casa. Faltam moradias e restaurantes universitários, além de bolsas-auxílio, o que faz com que estudantes de baixa renda não possam estudar devido à falta de dinheiro para a mudança. O Ministério da Educação (MEC), por outro lado, argumenta que vem aumentando o valor destinado à assistência estudantil, passando de R$ 126 milhões, em 2008, para R$ 300 milhões em 2010.
O Paraná ocupa a quinta posição dos estados que mais receberam estudantes de outras unidades da federação: na única instituição que participou do Sisu, a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), o porcentual de universitários que vieram de outros estados subiu de 10% (antes do Sisu) para 37% de acordo com dados preliminares do MEC. O índice foi parecido em outros lugares, como Santa Catarina e Tocantins.
O Sisu é um sistema mais democrático que o vestibular, segundo o MEC. Isso porque se o estudante não atingiu a nota mínima para uma determinada universidade na região onde mora, por exemplo, pode tentar em outra instituição. E, apesar das facilidades ofertadas pelo novo sistema, a mobilidade oferecida é criticada por estudantes que se veem de mãos atadas quando conquistam a vaga mas não têm condições de bancar os estudos longe de casa.
O caso de Saulo Penha é uma demonstração de que sem dinheiro é inviável se mudar. O curso de Engenharia Civil da UTFPR tem aulas no período da tarde e noite e ele só consegue se manter em Curitiba graças ao auxílio da família. No início do ano, ele e o pai vieram para a capital paranaense em busca de um apartamento e tiveram dificuldades para encontrar. A situação financeira do pai, que é engenheiro, ficou um pouco apertada no início. "Vim para cá porque a universidade é melhor e o mercado de trabalho oferece mais oportunidades. Mas tive diversos amigos que ficaram em São Luís por falta de dinheiro. Eles poderiam estar em instituições melhores", diz.
Críticas
A professora da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes- SN) Lighia Horodynski-Matsushigue tem uma opinião crítica sobre o Sisu. Para ela, a relação candidato-vaga continua a mesma nos cursos mais concorridos, porém, ao invés de atrair estudantes do estado de origem, quem ocupa estas vagas são jovens, em sua maioria, com boa renda familiar das regiões Sul e Sudeste. São eles que, por exemplo, têm família para bancar os estudos em outros estados. O resultado, segundo a professora, é que as universidades formarão médicos e advogados que provavelmente não ficarão nas localidades que estudaram, aumentando as diferenças regionais. "É um crime quando se olha a nação como um todo", afirma.
No plano conceitual, ela afirma que na verdade o novo Enem perdeu totalmente as características do antigo exame. Quando foi criado, a adesão era voluntária e a prova era interdisciplinar. "O MEC resolveu usar a logomarca. Provavelmente o Sisu não ajudará a democratizar o acesso". Lighia afirma isso com base em resultados preliminares de algumas universidades. Ao invés de incluir, o Sisu excluiu ainda mais os estudantes de baixa renda. "Claro que a expansão do ensino deve ser uma prioridade, mas é preciso planejamento e cuidado, porque o sistema é complexo."
A professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e doutora em Educação Bertha do Valle acredita que o Sisu pode ajudar a democratizar o ensino superior, mas para isso é preciso algumas melhorias. Ela argumenta que se não houver assistência, muitos jovens inteligentes de locais afastados continuarão sem acesso a uma boa universidade. "Como um menino do Rio vai estudar no interior da Bahia e vice-versa? Eles precisam de alimentação, moradia e assistência."
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