Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Saúde

Cursos de Medicina causam preocupação

Em Umuarama, estrada é engolida por erosão | Reprodução Paraná TV
Em Umuarama, estrada é engolida por erosão (Foto: Reprodução Paraná TV)

O Brasil se distanciou ainda mais à frente no ranking mundial de faculdades de Medicina. No dia 2, o Ministério da Educação (MEC) aprovou mais quatro cursos privados, três na cidade de São Paulo e um em Belo Horizonte. Em janeiro já havia autorizado outro na Universidade Ingá, em Maringá, no Norte do Paraná. Agora são 167 cursos no país. A China, de 1,3 bilhão de habitantes, ou seja, sete vezes mais do que o Brasil, tem 150 faculdades de medicina, enquanto nos Estados Unidos, de 300 milhões de pessoas, existem 125. O curioso é que a liderança brasileira causa mais preocupação do que orgulho.

Há muitos motivos para se preocupar, diz o otorrinolaringologista curitibano Antônio Celso Nunes Nassif, quatro vezes presidente da Associação Médica Brasileira (AMB). Com tantas faculdades, o Brasil tornou-se o maior formador de médicos do mundo. Hoje são cerca de 310 mil na ativa. Seria ótimo, não fossem duas ressalvas. Primeira: cursos são abertos a toque-de-caixa, pondo em xeque a qualidade do ensino. Segunda: a maioria dos médicos se concentra nas cidades grandes, em detrimento das pequenas. O diagnóstico de Nassif é assustador: daqui a pouco o excesso de médicos se tornará problema de saúde pública.

O país tem média de um médico para 586 habitantes, dobro do sugerido pela Organização Mundial da Saúde. Para piorar, esses profissionais estão mal distribuídos. Nassif entende que as quase 15 mil vagas disponíveis nas faculdades acentuam uma dicotomia que tem de um lado médicos em excesso e de outro uma população carente destes serviços. O mais grave, diz Nassif, é que hoje só seis entre dez médicos que se formam conseguem fazer residência médica, quando efetivamente se aprende o exercício pleno da profissão. Isso ocorre por que muitas faculdades são abertas sem a mínima infra-estrutura, sem hospital universitário.

"Muitas vezes o corpo docente é fictício, só empresta o nome para a instituição", diz o corregedor do Conselho Federal de Medicina, Roberto Dávila. O resultado é uma baixa qualidade do ensino, que pode ser medida, por exemplo, nas avaliações do MEC. No Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2005, com pontuação de 0 a 5, cinco faculdades tiraram nota 3, seis tiraram nota 2 e 15 tiraram nota 1. No Provão de 2003, entre os cursos avaliados cinco tiraram conceito E, 12 obtiveram D, 42 ficaram com conceito C, 19 conseguiram B e apenas nove tiveram conceito A.

Metade dos cursos de Medicina existentes no Brasil foi autorizada só neste início de século. Desde o governo de Itamar Franco, passando por Fernando Henrique Cardoso até chegar a Lula, houve uma taxa de 6,5 cursos aprovados por ano, contra uma média de 0,5 nos 186 anos anteriores desde a instalação dos dois primeiros, na Bahia e no Rio de Janeiro, em 1808. Um dos mecanismos facilitadores surgiu no fim do governo de Itamar, com a alteração no decreto 1.302, de 1994, que tirou do Conselho Nacional de Saúde (CNS) a prerrogativa de julgar a necessidade social dos cursos da área de saúde.

O CNS perdeu o poder de emitir parecer vetando ou não as novas escolas de medicina. A atribuição ficou toda com o MEC. Depois, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, e o decreto 2.306, de 1997, liberaram estados e municípios para decidir sobre a criação de escolas de Medicina e outras na área da saúde. Resultado: "faculdades criadas no afogadilho, sob critérios políticos, professores em número insuficiente, muitos deles despreparados didaticamente, outros sequer residindo nas cidades das escolas, criando assim as figuras do professor itinerante e faculdades de fim de semana", resume Nassif.

O exemplo para reverter o quadro, diz ele, vem do Norte. Estados Unidos e Canadá tinham no início do século passado 160 faculdades de Medicina, quase todas mal-equipadas, sem currículo regulamentado, corpo docente fraco, a maioria preocupada apenas com o lucro. O educador grego Abraham Flexner foi contratado para fazer um estudo sobre as escolas médicas. Suas propostas demoraram 23 anos para serem implementadas. Foram fechadas 94 escolas, restando às remanescentes a obrigatoriedade de vínculo a uma universidade ou hospital de ensino. A entrega da licença médica foi vinculada ao State Board, uma prova de aptidão semelhante ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.