Coisa de menina
Profissão não é valorizada
Para os garotos do balé, o problema não se resume ao deboche de quem vê a atividade como coisa de menina. Há, também, aqueles que criticam a seriedade da dança quando o bailarino resolve se profissionalizar. "Minha mãe me apoiou, mas era aquela coisa: sempre me perguntava quando eu iria arranjar um emprego de verdade", conta o bailarino Vinícius Lagari, 20 anos. "Ela via meus primos conseguindo as coisas e eu não. Tinha medo de que eu não conseguisse ser alguém na vida." Hoje, contudo, ele se orgulha de tirar o sustento das apresentações e das aulas de sapateado que leciona.
O bailarino Danilo Castorino, 21 anos, viveu uma situação parecida. "Meus familiares sempre gostaram de me ver dançar, mas desde que fosse só um hobby. Quando decidi me profissionalizar, disseram que a dança não levaria a nada", lembra. Para o futuro, os dois compartilham um sonho: dançar na Broadway.
Entrevista
Ana Mercês Bock, professora de Psicologia Educacional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)
Quanto mais machista a sociedade for, maior será a resistência com o balé praticado pelos meninos. A psicóloga Ana Mercês Bock, em entrevista, explica como os pais devem lidar e lembra que o Brasil costuma ser mais resistente à atividade que vários outros países, com exceção dos árabes.
Por que os meninos do balé sofrem tanto preconceito?
A figura da bailarina sempre foi muito feminina. É um registro cultural que pode ter a origem no fato de que as mulheres se dedicaram ao balé antes que os homens.
Como os pais devem agir quando o filho quer fazer balé?
A melhor forma de lidar com qualquer escolha é conversando e acolhendo. Para que a família possa continuar sendo um porto seguro, batalhando junto com o filho para superar os obstáculos. Pode ser que seja difícil aceitar. Se há um incômodo, porém, é preciso que seja dito. Mas não como repressão e, sim, como diálogo.
Os pais devem estar dispostos a mudar de ideia e se preparar para isso ouvindo o que o filho tem a dizer.
E quando o garoto é alvo de brincadeiras na escola?
A escola tem de interferir e produzir um espaço onde os jovens possam ouvir uns aos outros, percebendo que existem muitas diferenças.
Fazer balé custa caro para Manoel Matsumoto, 11 anos. São pedaços do lanche, o melhor lugar na fila ou qualquer outra coisa que uma certa colega de classe quiser lhe pedir. Ela é a única na escola que sabe sobre sua paixão quase secreta pelas sapatilhas. "Fica me chantageando: se não fizer o que ela pede, espalha a notícia para todos os colegas", conta o garoto. E no país das chuteiras, ele prefere não arriscar a reputação. "Meus amigos são daqueles que tiram sarro de tudo, daqueles que quando passam por alguém dão um tapa na cabeça. Se soubessem, não perdoariam."Irmão de Manoel, o bailarino Henrique, 13 anos, também passou por cenas embaraçosas desde que começou a dançar, aos 9 anos. "Os vizinhos ficavam implicando, até a própria família fazia piadinha, mas ele sempre foi persistente", conta a mãe dos garotos, Lilian Matsumoto. Os dois começaram a dançar por influência da irmã, também bailarina. Manoel diz que tem um primo que vai às apresentações só para tirar sarro. "Mas depois implora para ser apresentado às meninas do balé", diverte-se.
Na casa do estudante Maurício Alves de Souza, 16 anos, o apoio da mãe não veio. Pelo contrário: ela queria, na verdade, ver o filho jogando futebol. Sobrou apenas a compreensão do pai. Aos 11 anos, meses depois de ver uma apresentação de dança na Avenida Paulista, em São Paulo, Maurício disparou: "Pai, posso fazer balé"? Fez um teste na Escola Paulista de Dança e saiu de lá como bolsista.
Bullying
O estudante Anderson Lima, 14 anos, também não se importa quando ouve piadinhas. "Tem alguns que ficam enchendo, mas nem ligo", garante ele, que dança ao lado da irmã gêmea.
Nem todos os meninos, contudo, estão preparados para lidar com o preconceito. "Alguns sofrem tanta discriminação que, muitas vezes, não conseguem terminar o curso", afirma Paula Castro, que fundou, há 35 anos, o tradicional Ballet Paula Castro. "Hoje, há mais bailarinos que há 30 anos, mas eles ainda são poucos", constata. Segundo ela, as danças de rua, como o hip hop, têm funcionado como porta de entrada para o balé.
O educador físico Fabiano Pries Devide, professor do Programa de Mestrado em Ciências da Atividade Física, da Universidade Salgado de Oliveira (Rio de Janeiro), dedica-se à pesquisa do preconceito de gênero nos esportes. Para ele, a inserção do homem na dança é como um cruzamento de fronteira. "Os homens são questionados sobre sua identidade sexual, como se houvesse uma relação causal entre a prática corporal e a construção dessa identidade", observa.
Na opinião de Devide, as aulas de Educação Física das escolas deveriam estimular um debate sobre o assunto, o que poderia colaborar para "um ambiente de respeito às diferenças".
Bolsas abrem caminho para novos alunos
Um curso, com duas aulas semanais, custa cerca de R$ 300 por mês em São Paulo e R$ 150, em média, em Curitiba. Para os meninos, que ainda são raros nas escolas de dança, o balé sai muitas vezes de graça. Na Escola de Dança do Teatro Guaíra da capital paranaense, os dez alunos atuais fazem as aulas gratuitamente e todos os que tiverem interesse poderão fazer o teste (aplicado duas vezes ao ano) e, se passarem, ganham a bolsa automaticamente. A avaliação mede posicionamento corporal e aptidão física.
No Ballet Paula Castro de São Paulo, os meninos não precisam ter nenhuma experiência anterior com a dança: a bolsa de estudos está quase sempre garantida, dependendo apenas do número de vagas. A Escola Paulista de Dança também tem programas de bolsa, para alunos de famílias com renda de até três salários mínimos. Os interessados devem marcar um teste para serem avaliados.
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