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Grande parte das entidades pró-legalização do aborto no Brasil baseia seus argumentos em duas premissas: a primeira, a de que abortos clandestinos ocorrem a todo momento, em todo o país – seriam cerca de 1 milhão por ano. E a segunda, a de que as mulheres são punidas com prisão por fazerem abortos ilegais.
Debora Diniz, porta-voz da causa pró-aborto e fundadora da ONG Instituto Anis, que recebe financiamento do megabilionário George Soros, usou essa retórica recentemente para defender, em entrevista ao jornal El País, a legalização da prática pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O pedido feito pelo PSOL a favor da liberação do aborto, diz ela, "é para não prender as mulheres." A mesma ONG de Debora Diniz propala que um milhão de abortos (ilegais) são feitos por ano no Brasil.
Mas os dados não sustentam essas afirmações. A Gazeta do Povo compilou estatísticas sobre pessoas presas pelo crime de aborto, e os resultados contrariam a propaganda das entidades pró-legalização. Não há escapatória: ou a afirmação de que o Brasil tem um milhão de abortos clandestinos por ano é falsa, ou a tese de que as mulheres são presas por abortarem é falsa, ou ambas são falsas.
O relatório mais recente sobre os presos brasileiros foi divulgado pelo Ministério da Justiça em junho de 2022. O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) traz dados abrangentes e detalhados sobre as pessoas em prisão preventiva ou já condenadas. O documento mostra que havia 314 homens e apenas 4 mulheres presas por aborto no país. Ou seja: as mulheres punidas por esse crime compunham 0.00009% da população carcerária feminina — cerca de uma em cada 10 mil detentas.
O levantamento não faz distinção entre o aborto praticado em si (artigo 124 do Código Penal) e o praticado em outra mulher (artigo 125). Mas o número muito maior de homens presos por essa modalidade de crime deixa evidente que as prisões pelo artigo 124 são raríssimas ou inexistentes. No Brasil, quem vai para a cadeia pelo crime de aborto foi punido por fazer um aborto em um outra pessoa, e não em si mesma. O levantamento tampouco diferencia entre o aborto consentido e o forçado.
Mesmo o número de homens presos por cometerem abortos é inconsistente com as afirmações das entidades pró-aborto; dificilmente as estimativas de um milhão de abortos clandestinos ao ano se concretizariam. Por exemplo: o estado de São Paulo teve, em 2021, cerca de 175 mil casos de lesão corporal dolosa, crime de pena leve. No mesmo período, havia 2.015 pessoas presas no Estado por esse crime.
Para efeitos de comparação, outros delitos relativamente pouco comuns geram muito mais prisões do que o aborto ilegal. Em 2022, havia no Brasil 867 pessoas presas por corrupção ativa, 1.174 por peculato e 1.338 por "falsificação de papéis, selos, sinal e documentos públicos".
Como seria possível que uma prática ilegal tão onipresente, como seria o caso do aborto de acordo com as entidades pró-legalização, não se traduzisse em números no sistema prisional? Uma possível resposta seria uma ocultação intencional por parte das mulheres que escolhem fazer um aborto. Mas, se este é o caso, como é possível se chegar à conclusão de que o Brasil tem 1 milhão de abortos por ano?
Números históricos são semelhantes
Os dados de 2022 refletem a tendência histórica. Os números detalhados mais antigos do Infopen são de oito anos atrás (antes disso, não havia um detalhamento do número de presos por realizarem aborto). Em dezembro de 2015, havia oito mulheres atrás das grades pelo crime. Eram sete em junho de 2016, onze em junho de 2017, cinco em junho de 2020 e quatro em junho de 2021. No período, o número de homens presos chegou a um mínimo de 31 em 2017 e atingiu o máximo de 616 em 2020, antes de cair novamente.
Outras fontes trazem dados semelhantes. O levantamento específico sobre as mulheres presas (Infopen Mulheres), feito pelo Ministério da Justiça, nem mesmo traz os dados sobre o crime de aborto, que — se existirem — estão incluídos na categoria “outras tipificações”.
Um mapeamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2018, com base no Cadastro Nacional de Presos, simplesmente não traz a palavra “aborto”, embora contabilize outros crimes que representavam apenas 0,04% dos brasileiros atrás das grades.
Outro estudo, que traz um perfil das presas do Rio de Janeiro entre 1999 e 2000, também não identificou mulheres presas por essa prática. Ainda no Rio de Janeiro, o Censo Penitenciário de 1988 mostrava apenas uma pessoa estava atrás das grades pelo crime de aborto.
Realidade condizente com os números
Para quem lida com a realidade do sistema judicial e da segurança pública, os números apresentados pelo Infopen fazem sentido. O defensor público federal Danilo de Almeida Martins, que acompanha o assunto de perto, diz que a tese de que mulheres estão sendo punidas por fazerem aborto é claramente falsa. “Em todos os processos que já vi sobre esse crime, jamais me deparei com a prisão preventiva da mulher que abortou. Principalmente hoje, com a audiência de custódia, nenhuma mulher vai presa por causa do aborto praticado em si mesma”, explica.
Para Martins, a militância pró-aborto não diz a verdade quando afirma que mulheres estão sendo presas por abortarem. “É óbvio que esses grupos querem a descriminalização para liberar as clínicas de aborto. Só isso”, acrescenta.
O major da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Olavo Mendonça afirma que se forem utilizados outros índices da prática policial, é possível chegar à conclusão de que os números das entidades pró-aborto são “totalmente inflados”. “Isso nada mais é do que propaganda política e ideológica e não tem absolutamente nenhuma relação com a realidade que a gente encontra no dia a dia no serviço policial”, diz ele.
Para Mendonça, além de propagar dados distorcidos, as ONGs pró-aborto utilizam falácias legais e lógicas para defender a liberação da prática. “Essa história de que existe um milhão de abortos escondidos, com riscos às mulheres, e que por isso é preciso legalizar o crime, é uma argumentação sem base legal, filosófica e ética nenhuma”, diz ele.
O que diz a lei
O Código Penal trata do aborto nos artigos de 124 a 128. O texto estabelece que provocar o aborto em si mesma pode gerar prisão um a três anos. Já a realização da prática em outra mulher gera pena de três a dez anos quando não houver consentimento da gestante, e de um a quatro anos quando houver o consentimento. O artigo 128 especifica que o crime não gerará punição quando o aborto for o único meio de salvar a vida da gestante ou ainda se a gravidez for resultado de estupro.