Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), acredita que o governo Bolsonaro conseguiu cumprir metas e "sai fortalecido" de 2020, mesmo frente aos reflexos da pandemia, em especial na área econômica e política.
A base conservadora do presidente, por outro lado, tem gerado diferentes desgastes ao governo pela "desconfiança" das ações e estratégias adotadas pelo Executivo, segundo a ministra. Em entrevista à Gazeta do Povo, ela cita, por exemplo, questionamentos ao amparo a travestis. "É política de Estado, eu tenho obrigação. E, além de ter obrigação, tenho amor a esse segmento, e preciso cuidar dele", diz.
Também criticado pela baixa execução orçamentária durante a pandemia, a ministra garante que a pasta termina o ano com ao menos 85% dos recursos utilizados.
À reportagem, Damares Alves comenta, ainda, sobre perspectivas acerca do aborto no Brasil, a legalização da maconha, a aprovação do homeschooling e as prioridades da pasta para o próximo ano.
Confira a entrevista na íntegra em texto e vídeo.
Os desafios da pasta durante a pandemia
"As ações [previstas antes da pandemia] todas dependeriam da ponta, do município ou estado. A construção das unidades socioeducativas, fortalecimento de conselhos tutelares. Tudo isso passa pelos municípios e estados, que estabeleceram prioridades, ou seja, o combate à pandemia, alimentar o povo, cuidar do povo.
O desafio estava posto e o ministério atendeu à necessidade do momento. Foi um ano de grandes desafios. A pasta cresceu no seu papel de articulação e coordenação de ações em âmbito federal. Preparamos, elaboramos e coordenamos em torno de sete planos de contingência.
Quanto aos povos tradicionais [índios, quilombolas, ribeirinhos, etc.], nós tivemos que reunir 15 órgãos federais para cuidar de povos tradicionais na ponta. E o ministério ficou na organização, coordenação e execução de planos na ponta.
Obtivemos muito sucesso, especialmente nas ações que coordenamos, como, por exemplo, o cuidado com idosos. No Brasil, havia expectativa de que teríamos um genocídio de idosos durante a pandemia, mas isso não aconteceu. Nossos idosos foram cuidados. Tivemos ações extremamente impactantes e que evitaram, na ponta, um número absurdo de morte de idosos no Brasil. O ministério atendeu a necessidade do ano dos municípios, estados, da nação, e fizemos bem o dever de casa."
85% de execução do orçamento
"A nossa maior transferência, o dinheiro que mais usamos foi na proteção de idosos, seguido da proteção e defesa de mulheres, e na outra sequência, a garantia alimentar. Fizemos, ainda, segurança alimentar das aldeias indígenas e quilombos. E, então, a proteção a crianças. Trabalhamos com fortalecimento dos conselhos tutelares, equipagem de conselhos, treinamento. Essa foi a sequência dos nossos investimentos financeiros.
Chegamos a 85% da execução do orçamento [até agora]. É um número extremamente considerável. É extraordinário em tempo de pandemia um tempo de ministério ter executado 85% de seu orçamento. É preciso lembrar que precisamos do município e, nesse momento, para fazer licitações e convênios, tivemos dois impedimentos: a pandemia, em primeiro lugar. Segundo, foi ano eleitoral.
A gente deve terminar [2020] com mais de 92% de execução. Eu considero um número extraordinário. As pessoas não acompanham a execução do nosso ministério em fontes oficiais. Elas estão buscando outras fontes para fazer a avaliação.
Nós não somos finalísticos, nós somos um ministério meio. Isso é, precisamos de alguém que execute. E quem, na ponta, executa as ações, são os municípios. Em ano eleitoral não conseguimos fazer tantos convênios com municípios."
Anistia: pensões pedidas eram indevidas
"Nós sairemos vitoriosos em todas as ações e os mandados de segurança. Ministério está cumprindo determinação do STF. Temos que deixar claro que o governo Bolsonaro é o governo da legalidade. Trabalhamos na letra da lei. Obedecemos decisão judicial.
Há uma decisão do STF sobre a revisão das pensões dos ex-cabos da FAB. Se eu não cumprisse essas decisões, eu estaria cometendo crime. Não existe nenhuma ilegalidade, eu revi e encontrei alguns processos absurdos. Aquelas pensões não eram devidas. A anistia não cabia naquele lugar.
Eu cancelei pensões e, se as pessoas se sentem prejudicadas, elas devem recorrer ao judiciário. Que é o que estão fazendo. Mas nos mandados de segurança sairemos vitoriosos."
Decisão do Conanda coloca jovens em risco de sofrer abuso sexual
"Não era hora de uma decisão dessa [aprovação de visita íntima em unidades socioeducativas, para jovens a partir dos 12 anos]. Isso não foi conversado com a sociedade e com os pais. Foi decisão ideológica. E não foi conversado com a gente [MMFDH].
Temos outras prioridades no Brasil com relação à infância e adolescência. Ver um Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente priorizar isso como necessidade... não é necessidade. Estamos parando tudo para discutir se meninos em medidas socioeducativas vão ou não ter visita íntima.
A decisão deles também diz o seguinte: se em uma unidade socioeducativa de meninas, duas meninas começarem a namorar, se apaixonarem e declararem que estão namorando, elas terão que dormir no mesmo quarto. A mesma coisa ocorre com meninos. Se dois meninos, em uma unidade, se identificarem como namorados, terei de deixá-los dormir no mesmo lugar.
Isso é muito perigoso, abre um precedente muito perigoso porque numa unidade socioeducativa temos meninos a partir de 12 anos cumprindo medidas. Mas, também, há meninos de 19 anos. Um menino que tem 17 anos e pega medida de 3 anos de recolhimento fica até os 20. Imagine um menino de 19, que já está ligado ao crime organizado, a uma facção, dizer para o de 13 para eles fingirem ser namorados, e que estão apaixonados. Eu colocarei o de 13 no mesmo lugar com o de 19, 20 anos. O que vai acontecer toda a noite? Abuso sexual do mais novo. Isso é muito perigoso.
E eu estou aqui como ministra para protegê-los. Meu papel é protegê-los. Eu não entendo que essa medida protege algum adolescente. Inclusive, é uma medida proposta pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Hoje, eu sou presidente do comitê, mas essa é uma proposta de 2018. Eles afirmam que a falta de sexo, o impedimento, é uma tortura a esses meninos. Ora, eu quero gastar o tempo desses meninos nessas unidades estudando, aprendendo um ofício, fazendo esporte, trabalhando, mas não gastar tempo deles com sexo.
Eu queria muito que os pais que estão nos vendo pensem o seguinte: ter uma filha e 14 anos que namora um menino de 16 e que está recolhido. Já pensou liberar sua filha para passar por esse constrangimento? Você acha que aquele lugar é limpo para uma menina de 14 ir lá e se deitar com um menino? E a saúde dessa menina? E o constrangimento dessa menina? E como são esses lugares da visita íntima?
Na nossa planta - vamos construir 60 unidades - não temos uma sala de visita íntima. Então, ela terá relações sexuais com o menino em que lugar? Há tanta coisa para decidir, para o Conanda fazer, em especial nesse momento que tem tanta criança morrendo na rua, precisando ser protegida.
E como será o agente da unidade socioeducativa? Ele ficará na porta esperando o casal adolescente terminar uma relação? Pois ele tem que garantir a segurança da menina, quando ela entrar, ou do menino. Então terei um agente de plantão na porta para garantir a segurança daquela menina? Isso não é papel do Estado. Não em um Estado que tem tantas prioridades.
Essa decisão que passou pelo Conanda me entristece, entristece a sociedade, que não opinou sobre isso. Eu convidaria a sociedade a ver quem compõe o Conanda, quais são as instituições que o compõem. Se a sociedade está se sentindo representada no Conanda. É uma decisão que eu lamento, poderia ter sido mais discutida."
Homeschooling não foi prioridade em 2020
"No ano de 2019, [o homeschooling] não avançou. E por que não avançou: nós também não fizemos muita articulação em 2019. Todos nós, ministros, estávamos muito focados na reforma da previdência. Nós priorizamos a nossa pauta. Isso não quer dizer que nós a negligenciamos, ela continuou caminhando. Em 2020, achávamos que íamos conseguir aprovar inclusive no primeiro semestre. Mas o Congresso Nacional prioriza outras pautas. A pandemia também muda toda a pauta do Congresso Nacional. No ano de 2020, o Congresso não entendeu que era prioridade a discussão do homeschooling.
Mas eu tenho certeza que agora, em 2021, esse projeto vai ser aprovado. Tem relatório feito e não precisa mais de discussão. Esse projeto, tema está sendo discutido há muitos anos no Congresso. É só pegar todo o fruto da discussão e um voto que já tem a favor. A relatora do projeto anterior era a favor. E a gente pode construir uma decisão."
“O aborto é uma violência contra a mulher”
"O plano de governo do Bolsonaro é proteção da vida desde o nascimento. A pauta aborto é do Congresso Nacional.
Estamos trabalhando inúmeras ações no Ministério da Saúde para proteger grávidas e saúde da gestante. No nosso ministério, lutamos pelo direito à vida desde a concepção. É dessa forma que a gente trabalha, a garantia da vida desde o nascimento.
Agora, a pauta, a decisão se aprova ou não o aborto é do Congresso Nacional. Até onde a gente puder influenciar para que o aborto nunca seja legalizado lá ou no judiciário, nós vamos influenciar. Nós, este governo, acredita que aborto é violência contra a criança e contra a mulher. Se eu sou ministra da mulher, tenho que proteger a mulher. E aborto é violência contra a mulher também.
Mesmo que todas as nações do mundo legalizem o aborto, nós podemos ser a única a não legalizar. Eu sou muito otimista. Que as outras nações queiram matar seus bebês na barriga da mãe. Aqui, não.
A sociedade brasileira se levanta pedindo um grande projeto de planejamento familiar. Não podemos admitir que aborto seja método anticonceptivo. Não podemos admitir o aborto como um plano de planejamento familiar.
O presidente tem pedido ao nosso ministério e saúde que entreguem o maior programa de planejamento familiar, mas nunca considerando o aborto como instrumento."
Prioridades para 2021
"A gente continua na pauta da proteção. E na garantia dos direitos. A gente entende que nesse momento há um grupo de vulneráveis que precisam ser alcançados. A nossa prioridade: criança. Em segundo lugar, idoso e pessoa com deficiência. Em terceiro lugar, mulheres, na questão da violência no Brasil.
Quando eu falo em criança, falo da criança indígena, quilombola, cigana, todas as crianças. Estamos vindo na construção desse grande pacto pela infância no Brasil."
Legalização da maconha
"Nós temos uma bandeira: não às drogas, em qualquer situação. Se a gente pensar em legalizar drogas, é reconhecer que o Estado faliu no combate ao crime organizado. E nós não vamos fazer esse reconhecimento.
Nós vamos nos levantar o tempo todo, vamos nos opor à legalização das drogas, mas eu não quero me preocupar só com a legalização das drogas, mas com a previsão ao uso de drogas.
Nosso ministério tem dito não às drogas, e com muita veemência. Essa é uma guerra para muito tempo ainda, e que vamos fazer um enfrentamento com muita coragem.
Não. A sociedade brasileira não quer isso. Pergunte a uma mãe que tem um filho dependente se ela quer a legalização das drogas. Converse com a base. Estamos governando para uma nação, não para grupos econômicos, ideológicos.
Nós governamos uma nação, e a nação brasileira não quer drogas. Vamos fazer um enfrentamento ao crime organizado, mas não legalizando drogas."
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“Bolsonaro cumpriu as metas e sai fortalecido”
"Presidente Bolsonaro sai fortalecido. Nós conseguimos alimentar 68 milhões de pessoas por mês nessa nação, com o auxílio emergencial. E mesmo alimentando essa multidão, fizemos todas as entregas.
Mesmo diante da pandemia. Governo Bolsonaro cumpriu suas metas. O governo Bolsonaro cumpriu suas metas, era para nenhum ministério estar entregando nada, só alimentando o povo. Nós conseguimos alimentar, dar conta, fomos recordistas no mundo por auxílio emergencial. Fizemos o dever de casa muito bem feito. A gente cuidou do nosso povo. Presidente Bolsonaro sai fortalecido na pandemia."
O futuro da ministra, fora da política
"Eu estou cansada, eu já não tenho mais, não sou mais tão jovem, e eu fui pedida em casamento. Um cacique de uma aldeia me pediu em casamento. Mas para eu casar com ele eu tenho que aprender a plantar mandioca. Eu estou achando que vou aceitar o pedido de casamento do cacique e vou morar numa aldeia. De qualquer forma, casando ou não com um cacique, e esse pediu mesmo, eu tenho o presente aqui no gabinete.
Ainda não aceitei o pedido. Eu tenho que pensar, porque ele tem quatro esposas, eu seria a quinta, e teria que aprender a plantar mandioca.
De qualquer forma, eu tenho outros projetos, eu sempre estive envolvida com missões humanitárias. Eu quero terminar os últimos anos de minha vida envolvida com uma missão humanitária na ponta, anonimamente, cuidando de criança, de índio, idoso. Eu tenho alguns projetos pessoais de voltar para o que eu sou. Eu sou de fato uma missionária, quero voltar a cuidar de vidas lá na ponta.
O maior desgaste vem de conservadores que não confiam no governo
"O que mais me cansa é ficar me explicando para nossa base. Nossa base conservadora tinha que confiar um pouco mais nos seus representantes. A gente gasta muito tempo se explicando. Quanto a gente veio para esse governo, quando fui convidada, fui convidada porque tenho uma trajetória, só no Congresso, de 22 anos, lutando contra todas as pautas que a gente considera que são atentados contra a vida, a família, pautas não conservadoras.
Eu fiz esse enfrentamento, doei minha vida pra isso. Agora que estamos aqui executando, temos que ficar nos explicando. Confia um pouco mais nas decisões que estamos tomando, são decisões estratégicas. Eu tenho uma equipe, um corpo pensante, eu trouxe os melhores para esse ministério.
Isso me desgasta muito mais do que a oposição. Eu não tenho que me explicar para a esquerda. Eu tenho que fazer, eu tenho que entregar. Mas tenho que ficar me justificando para a direita. Isso é muito desgastante, a gente ter que ficar horas construindo documento para explicar por que eu tomei essa decisão.
Por exemplo, uma decisão que nossa base conservadora questiona muito: por que estou trabalhando com travestis? Por que estou cuidando de travesti? É política de Estado, eu tenho obrigação. E, além de ter obrigação, tenho amor a esse segmento, e preciso cuidar dele. Assinamos inúmeros tratados dizendo que iríamos cuidar desse segmento. A gente governa para todos.
A gente quer uma nação de paz. E eu tenho muito questionamento, acham que eu tinha que ser mais combatente, mais incisiva, brigar mais. Eu também aposto na força do diálogo. Eu trabalho muito com diálogo, com a conciliação. A gente está caminhando para construção de uma sociedade que respeita os direitos fundamentais, direito de expressão, liberdade religiosa, direito à vida.
Há muito questionamento a nós com relação a liberdade de expressão. Ora, esse é um ministério da garantia dos direitos. O direito à liberdade de expressão é sagrado para esse ministério.
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