Oeste
"Só queremos nos divertir", dizem jovens
Luiz Carlos da Cruz, correspondente
Adeptos dos rolezinhos, os jovens Dalton Roberto Pires, 15, e Renan Pruchaki, 18, dizem que os movimentos têm como único objetivo a diversão. Eles participaram no início do mês do primeiro rolezinho realizado em um shopping de Cascavel e uma semana depois de outro evento que aconteceu no lago municipal da cidade. "É apenas para reunir o povo, fazer novas amizades, dar risadas, cantar uma música, tocar violão, tomar um tereré", lista Dalton, que trabalha como atendente na mecânica da família.
Renan afirma não se incomodar com o reforço na segurança do estabelecimento, inclusive com a presença da Polícia Militar como aconteceu no primeiro encontro. "Eu acho até melhor porque garante a segurança do povo que está lá, evita vandalismo ou roubo", dize Renan.
Os dois não sabem avaliar com precisão quais as consequências dos rolezinhos, mas não acreditam que se transformem em movimentos de reivindicações populares, como ocorreram com as manifestações de junho do ano passado. Eles afirmam que os rolezinhos têm como função principal retirar amizades do virtual e transportá-las para o mundo real. "Pessoas que a gente só conhecia pela internet acabamos conhecendo pessoalmente", diz Dalton. "Eu mesmo conheci bastante gente e até hoje converso com elas", completa Renan. Eles acreditam ainda que desses rolezinhos possam surgir muitos namoros e até possíveis casamentos.
Polêmica
Repressão policial foi estopim para avanço dos rolezinhos
Recentemente, os rolezinhos se tornaram opção preferencial de lazer de jovens da periferia de São Paulo, admiradores do funk ostentação, uma vertente lançada ainda em 2008. As músicas fazem referência às roupas de grife e o desejo e as dificuldades dos jovens da periferia em frequentar os shoppings.
Foi uma festa funk com cerca de 6 mil pessoas, realizada no começo de dezembro no estacionamento do Shopping Metrô Itaquera, em São Paulo, que trouxe à tona o conflito com os rolês. O estabelecimento informou que chamou a polícia apenas porque os jovens "se exaltaram". Houve prisões. Com a repercussão, os eventos dos jovens ganharam fôlego nas redes sociais, e havia vários eventos marcados para o domingo passado em São Paulo e outras cidades.
Alguns shoppings obtiveram liminares judiciais para impedir encontros. Acionada para dispersar um grupo no Shopping Itaquera em 11 de janeiro, a polícia paulista usou balas de borracha e gás lacrimogênio, o que causou grande comoção, insuflando mais uma vez jovens de todo o país.
Dezenas de eventos estão marcados para este fim de semana, inclusive em Curitiba. Em outros estados, alguns shoppings obtiveram liminares contra os eventos um dos posicionamentos ressalta que os rolezinhos impedem a livre circulação e prejudicam o direito ao trabalho.
Para Alexandre Barbosa Pereira, da Unifesp, todos têm o direito legítimo à segurança e à ordem. "No caso dos rolezinhos, se observarmos, foi negado tal direito aos jovens que se encontravam nos shoppings apenas para se divertir", pondera.
Lógica capitalista leva à segregação, diz economista
Ainda que deplorável do ponto de vista dos direitos humanos, a discriminação de grupos pobres em determinados locais tem uma racionalidade econômica por trás. Essa é a avaliação do economista Gustavo Andrey Fernandes, professor do departamento de Gestão Pública Fundação Getulio Vargas em São Paulo.
"A lógica capitalista brasileira não é de massas, mas de ter status. Ao manter o status e os preços em um patamar mais alto, o comerciante tem lucro maior do que vender para mais consumidores", diz Fernandes. Para ele, essa realidade não se alterará muito nos segmentos de alto luxo, pois a discriminação ocorre racionalmente, por motivo econômico.
"O que é curioso é shoppings mais populares, como o Itaquera, tratarem dessa maneira seu consumidor potencial", pondera. No longo prazo, porém, Fernandes prevê que a lógica capitalista brasileira terá que se alterar, para abarcar os novos consumidores que surgem com o aumento da renda.
Dar um rolê por aí, atividade corriqueira para jovens brasileiros há décadas, atingiu um novo status neste início de 2014, tão surpreendente que dificulta sua definição. Afinal, o que são os rolezinhos de adolescentes em shoppings centers?
Até dezembro, eram basicamente uma opção de lazer, e estavam se disseminando entre jovens da periferia. Mas, devido ao grande número de jovens envolvidos, o despreparo de forças policiais e a desconfiança de lojistas, o perfil do rolê foi modificado. Desde então, muitos jovens divulgaram na internet críticas à força policial e denunciaram casos de discriminação em shoppings. Cientistas sociais também veem preconceito contra o jovem da periferia, e ressaltam que os adolescentes buscam espaço como consumidores. Alguns tecem críticas à desordem dos jovens, e fazem acusações de roubos e arrastões. Há quem celebre o "protesto político" dos jovens, o que até causou preocupações na presidente Dilma Rousseff, que pediu para sua equipe monitorar a situação.
A motivação inicial, entretanto, sempre foi o lazer e o consumo. "No shopping dá para se divertir, encontrar outras pessoas. Não há espaço nos bairros periféricos para a socialização. Quando há, geralmente é ligado a uma igreja", diz o historiador Wagner Tauscheck, coordenador técnico do Museu da Periferia, no bairro Sítio Cercado, em Curitiba. "O movimento não é politizado em seu sentido clássico, mas por outro lado é político porque os jovens buscam formas de realizar sua vontade, que é a promessa da sociedade em se tornar alguém por meio do consumo."
Professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Alexandre Barbosa Pereira também diz que o movimento ganhou uma intenção política. "A ação desmedida da polícia e uma narrativa que criminalizava esses jovens, rotulando e estigmatizando tal evento como arrastão, foi o que potencializou esses encontros e deu visibilidade a eles. De forma muito parecida, aliás, com o que aconteceu nas manifestações de junho", diz ele, que pesquisou os hobbies dos jovens de periferia para sua tese de antropologia social.
O cientista social Pedro Bodê, professor da UFPR, ressalta que os rolês ocorrem em vários locais. "Deu problema no shopping por causa da repressão. Mas isso não se deve apenas ao despreparo dos policiais, que só sabem descer o cacete. Há uma demanda da sociedade para que ajam assim", avalia.
Os dois professores consideram que há uma discriminação em relação aos jovens da periferia. "Há vídeos circulando de jovens universitários em grande grupo fazendo a maior algazarra em um shopping de São Paulo e nem por isso foram reprimidos ou criminalizados", conta Pereira. Um comentário comum na internet por esses dias é justamente o seguinte: "rolezinho de rico é flash mob, de pobre é arrastão", em referência às aglomerações de jovens marcadas via internet para fazer alguma performance.
Shoppings negam qualquer tipo de discriminação
Os principais shoppings de Curitiba afirmaram à reportagem que não há nenhum tipo de preconceito por conta de classe social ou vestimenta. Mas ressaltam que há preocupação para manter o ambiente em ordem.
"Nossos seguranças são orientados para manter um ambiente em que todos possam usufruir de momentos agradáveis", diz a gerente de marketing do Palladium, Maria Aparecida de Oliveira. "Dentro da preocupação do Shopping Mueller com a segurança, os orientadores são instruídos a monitorar qualquer comportamento que venha a tirar a ordem do mal", afirmou Daniela Baruch, superintendente do shopping.
A BR Malls, que administra três shoppings em Curitiba, enviou uma nota conjunta para os shoppings Crystal, Curitiba e Estação "Os funcionários são orientados a zelar pelo bom andamento das operações dos shoppings e pela segurança de clientes, lojistas e colaboradores."
O shopping Pátio Batel, local onde está marcado um encontro de jovens neste domingo, informou o seguinte: "A equipe de segurança preza pelo bem-estar e segurança dos clientes, funcionários e lojistas, sem distinção. A abordagem acontece caso haja alguma aglomeração ou comportamento inadequado nas dependências do shopping".
Meio-termo
Na sexta-feira, o Ministério Público de São Paulo disse que está conversando com os organizadores dos rolezinhos e as administrações dos shoppings da capital paulista para encontrar um meio-termo para o movimento. A proposta é apurar a capacidade máxima dos centros comerciais, para determinar o limite de participantes e quando os shoppings podem fechar as portas, sem discriminação. Segundo os promotores, os shoppings têm direito, por questões de segurança, de fechar as portas quando há frequentadores além da capacidade.
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