A obra de Charles Darwin mudou a maneira de compreender a humanidade| Foto: Divulgação

São Paulo - Professores e cientistas brasileiros acompanharão a distância, mas com muito interesse, os debates que o Pontifício Conselho da Cultura promoverá na Universidade Gregoriana sobre a evolução biológica, por ocasião dos 150 anos da publicação de A Origem das Espécies, de Charles Darwin. Preparada durante os últimos dois anos pelo Vaticano, a "Conferência Internacional Evolução Biológica: Fatos e Teorias" reunirá, de amanhã a sábado, pesquisadores católicos e agnósticos para uma discussão sobre as implicações da teoria darwiniana na ciência e na teologia.

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"Não se trata de uma celebração em homenagem ao cientista inglês, mas sim de refletir sobre a dimensão de um acontecimento que marcou a história da ciência e influiu sobre a maneira de compreender a nossa humanidade", observou o jesuíta Marc Leclerc, professor de Filosofia da Natureza e diretor da conferência. Criação e evolução, tema sempre em pauta quando se estuda Darwin à luz dos relatos da Bíblia, serão debatidas em níveis diferentes, sem confusão entre o plano científico e as questões ligadas à fé ou à religião.

Ao conferir o programa da conferência, o biólogo e geneticista Crodowaldo Pavan, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), observou que criação e evolução sempre correm paralelamente nos debates entre cientistas e teólogos. Evolucionista e agnóstico, o pesquisador brasileiro é, desde 1978, um dos 80 membros da Pontifícia Academia de Ciências, do Vaticano.

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"Na perspectiva da teologia cristã, evolução biológica e criação não se excluem, mas podemos afirmar, considerando o termo evolução no seu significado mais amplo, sem referência a um ou mais mecanismos evolutivos específicos, que a evolução é, no fundo, a maneira pela qual Deus cria", afirmou Giuseppe Tanzella-Nitti, professor de Teologia Fundamental da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, ao apresentar a programação da conferência.

Segundo o biólogo e sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), conflitos e antagonismos entre ciência e religião costumam existir no contexto dos fundamentalistas, católicos ou evangélicos, que recorrem ao conceito de "Deus das Lacunas". "Todas as formas de religiosidade mais simples trabalham com o modelo do Deus das Lacunas, um Deus caprichoso que entra na história quando a lógica não é capaz de explicar os fenômenos", diz.

Os coordenadores da conferência do Vaticano sobre evolução advertem que também o intelligent design (ID, ou projeto inteligente) é um fenômeno de natureza ideológica e cultural, que não deve ser discutido no terreno científico, filosófico ou teológico. O ID é uma ideia cara aos criacionistas, segundo a qual certas características do universo e dos seres vivos se explicam pela ação de uma causa inteligente e não pela seleção natural.

"A maioria dos teólogos e cientistas não considera o ID como teoria de conhecimento válida. É má religião e má ciência, mas há questões muito mais amplas, de ordem econômica, política e cultural, que mantêm o ID vivo", disse Eduardo Rodrigues da Cruz, pesquisador e professor de pós-graduação do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da PUCSP. Católico e evolucionista, ele observa que boa parte dos teólogos trata criação e evolução como dois modos de ver a mesma realidade.

Padre Manfredo Araújo de Oliveira, professor de Filosofia na Universidade Federal do Ceará e autor do livro Diálogos entre Razão e Fé, o fenômeno evolução não é só uma hipótese. "Outra coisa é a explicação", diz. Para ele, só existe conflito se evolução e criação são colocadas no mesmo nível, como se Darwin negasse a criação. "São dois tipos de saber que não se põem no mesmo nível. No plano da fé, a criação do mundo não tem problema: a ciência nos fala da passagem de um estado do mundo para outro, pressupondo, portanto, a existência do mundo, enquanto a fé levanta a questão da existência de tudo."

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Quanto à versão que a Bíblia dá para a criação, os cientistas católicos advertem que o texto não deve ser tomado ao pé da letra. "A Bíblia foi escrita no último milênio antes de Cristo e no primeiro século depois de Cristo. Muitas de suas passagens ofendem o sentimento moderno, como aquela de ‘passar a fio de espada todos os seus inimigos’. Tais passagens embaraçam o fiel mais consciente", diz Cruz.

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