Das telas da televisão para a vida real

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No Brasil, já é certo: está na novela das oito, está na boca do povo. Seja moda, música, ou comportamento, tudo que aparece no folhetim gera comentários no dia-a-dia do brasileiro. E justamente por conhecer essa repercussão que muitos autores aproveitam o canal para pôr em pauta temas polêmicos. No caso de "América", atual novela das oito da Rede Globo, um dos assuntos em discussão é a cleptomania. Trata-se de um transtorno de controle do impulso no qual a pessoa furta descontroladamente. Não existem estatísticas precisas, mas acredita-se que a doença acometa algo próximo de seis ou sete pessoas a cada mil.

Interpretada pela atriz Christiane Torloni, a personagem Haydée, desde o início da novela, apresenta sintomas típicos de cleptomania. Entre os objetos que já caíram no famoso lenço da Haydée estão canetas, isqueiros, chaveiros, caixinhas de enfeite e outros pequenos objetos. A psicóloga Marisa Silva, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, explica que em geral os objetos visados pelo cleptomaníaco não são coisas de valor. "Podem ser coisinhas pequenas e que muitas vezes nem têm utilidade para a pessoa", afirma. Na novela esta característica foi bem ilustrada quando Haydée, que não fuma, furtou um isqueiro.

No sentido de conscientização, a novela "América" tem cumprido seu papel. A psiquiatra Ana Maria Galetti, coordenadora do AMJO (ambulatório de jogo patológico de outros trantornos do impulso) do Hospital das Clínicas de São Paulo, conta que o local costumava atender um ou dois casos por ano. "Desde o início da novela, 12 pessoas já nos procuraram para iniciar o tratamento", conta.

Como é difícil assumir a cleptomania, em muitos casos o paciente chega ao consultório usando outro problema como desculpa. "Dizem que é estresse, ansiedade ou depressão. Ao longo do tratamento, quando o paciente vai contando sobre sua vida é que o terapeuta faz o diagnóstico correto", afirma o psiquiatra Dagoberto Requião, diretor do Hospital Nossa Senhora da Luz. Ele conta que recentemente atendeu um paciente que só procurou ajuda depois que o cônjuge desconfiou que algo estava errado. Segundo o médico, o paciente relatava casos de ansiedade e no decorrer das conversas comentou que as crises ocorriam quando a personagem da novela aparecia na TV. Tentando não deixar o cônjuge desconfiado, o paciente teria começado a simular crises também em outros períodos do dia e usou o estresse como motivo para procurar a terapia.

Para o psiquiatra Sivan Mauer, o grande problema ainda está no preconceito e na falta de informação. Segundo ele, é raríssimo atender pacientes cleptomaníacos e que quando algum aparece geralmente é porque foi flagrado e encaminhado para o tratamento. "É importante tentar eliminar o preconceito que acompanha qualquer uma das doenças psiquiátricas. No caso específico da cleptomania é preciso deixar claro que o paciente não é ladrão, é um doente que precisa de tratamento", afirma.

Tratamento

O tratamento da doença é feito através de psicoterapia e medicação, que ajudam a controlar o impulso de furtar. O psiquiatra Cristiano Alvarez, do programa de transtornos do humor e da ansiedade do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná, explica que o medicamento ajuda a diminuir a ansiedade; e a terapia a fazer com que a pessoa entenda porque comete o furto, sendo assim capaz de desenvolver ferramentas para evitar que isso aconteça. Evitando sair sozinho, por exemplo, a pessoa diminui as oportunidades de furto.