Há um novo capítulo na história de quase 20 anos de disputa de terras entre famílias de trabalhadores rurais sem terra e a empresa madeireira Araupel, na região Centro-Sul do Paraná. Somente nos últimos 12 meses, dois novos acampamentos de agricultores ligados ao MST avançaram nas terras da empresa. São os acampamentos Herdeiros da Luta 1.º de Maio, que completou um ano recentemente, e Dom Tomás Balduíno, levantado em maio. Eles foram erguidos por filhos e netos de trabalhadores que vivem em três assentamentos na região –Ireno Alves, Marcos Freire e Celso Furtado –, originários de ocupações iniciadas ainda na década de 90, em áreas na época de posse da mesma madeireira.
Mas a recente onda de ocupações agora tem um fator novo: ela ocorre no momento em que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) abre uma frente de busca por terras para fins de reforma agrária, na qual a estratégia é investigar a titularidade dos imóveis.
Uma primeira vitória já foi obtida pelo Incra, que conseguiu no 1.º grau da Justiça Federal uma sentença que define que a União é a verdadeira dona da área onde hoje está o assentamento Celso Furtado, o segundo maior do país, com 23 mil hectares. A empresa entrou com um recurso e os efeitos da decisão, por isso, estão suspensos. Ainda assim, a sentença tem mexido com os ânimos na região e o MST já anuncia a intenção de fazer novas ocupações na até o fim do ano. “Depois da sentença, houve uma correria para a região. Tinha mais de 300 famílias de Foz indo para lá. Há uma pressão enorme”, admitiu o secretário especial para Assuntos Fundiários, Hamilton Seriguelli.
Paralelamente, o Incra confirma que deve entrar com uma nova ação de nulidade de título, na tentativa de resgatar uma outra área de posse da Araupel, de cerca de 15 mil hectares e onde hoje está o acampamento Dom Tomás Balduíno. “Fizemos um estudo da cadeia dominial das terras da região e concluímos que a área de 15 mil hectares tem originalmente o mesmo título da área de Celso Furtado, que recentemente a Justiça Federal entendeu pertencer à União”, antecipou o superintendente do Incra no Paraná, Nilton Guedes. Ele prevê que a nova ação de nulidade deve ser proposta até o fim deste mês.
A discussão sobre a propriedade da terra na região percorre séculos da história do Brasil. Para o Incra, a área é originalmente de domínio da União e, no passado, foi indevidamente concedida pelo estado do Paraná a particulares.
O diretor da Araupel Tarso Giacomet disse ter convicção de que a decisão será reformada em outra instância. Para ele, a sentença é inconsistente. “A favor da Araupel, não há versões ou teses, existem fartos documentos”, declarou. Informado pela reportagem sobre a possibilidade de uma nova ação de nulidade de título, Giacomet respondeu que o processo “não tem a menor chance de êxito”.
Na prática, a sentença não chega a interferir na vida dos trabalhadores rurais do Celso Furtado e no local, que já possui uma estrutura com escola, unidade de saúde e rede elétrica . O despacho avança, contudo, na discussão em torno da indenização que já havia sido passada pelo Incra a Araupel
Para a juíza federal Lília Côrtes de Carvalho de Martino, da 1.ª Vara Federal de Cascavel, que assina o despacho, a indenização de R$ 75 milhões não é devida. “Haja vista que o particular não detinha o domínio do imóvel, não se trata de desapropriação indireta, de forma que não há falar na justa e prévia indenização prevista constitucionalmente, isso porque a União não precisa indenizar a si mesma”, diz trecho da decisão.