O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou, na terça-feira (25), que estados e municípios não podem remover moradores de rua de espaços públicos nem recolher seus pertences contra a vontade deles, e forçou governos a adotarem um amplo conjunto de medidas – elaboradas por ele próprio – para a solução do problema social.
Moraes acatou um pedido feito em 2022 pelos partidos Rede e PSOL e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que usam a controversa teoria do "estado de coisas inconstitucional" para alegar a omissão dos governos municipais, estaduais e federal em resolver o problema das populações de rua. Segundo essa teoria, o Poder Judiciário poderia induzir medidas de política pública sempre que detectar omissão do Legislativo e Executivo em seus papéis constitucionais.
O ministro deu prazo de 120 dias para o governo federal apresentar um plano para a implementação de uma política nacional voltada a moradores de rua, e exigiu que, no mesmo prazo, as prefeituras de todos os municípios brasileiros façam "diagnóstico pormenorizado da situação nos respectivos territórios, com a indicação do quantitativo de pessoas em situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação".
Para os governos estaduais, Moraes criou um conjunto de 17 medidas, entre as quais constam, por exemplo, a "disponibilização imediata" de barracas para moradia e de itens de higiene básica à população em situação de rua; a oferta – neste caso, sem prazo determinado – de "bebedouros, banheiros públicos e lavanderias sociais de fácil acesso para a população em situação de rua"; a garantia de "bagageiros para as pessoas em situação de rua guardarem seus pertences"; e a garantia de "segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua".
Para juristas consultados pela Gazeta do Povo, em que pese a trágica situação dos moradores de rua, o Supremo Tribunal Federal (STF) está mais uma vez atropelando e "redesenhando" a Constituição – entre outras coisas, está passando por cima da separação dos poderes e do modelo federativo.
"Se fosse possível resolver o problema da pobreza com uma decisão – judicial ou administrativa –, isso teria sido feito há séculos. Vontade de muita gente não faltou e continua não faltando. Contudo, a miséria não é decorrente de um fator único, como parece fazer crer a decisão. É oriunda de um conjunto de fatores, que passa obviamente pela atuação do Estado e das classes mais abastadas, mas também por conjunturas sociais, como abandono familiar, degradação moral da sociedade, entre diversas outras coisas. Achar que uma decisão judicial que obriga o Estado a resolver tudo isso em 120 dias vai solucionar ou mesmo diminuir o problema é, a meu ver, uma ilusão", afirma o advogado Miguel Vidigal, especialista em Direito Civil.
Constitucionalmente, a escolha – essencialmente política – de quais problemas sociais devem receber atenção prioritária, quais estratégias serão adotadas para resolvê-los e em quanto tempo as políticas públicas vão ser planejadas e implementadas cabe aos representantes dos Poderes Executivo e Legislativo eleitos pelo povo.
Moraes também passou por cima de manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU), que havia recomendado que o STF não acatasse a petição feita pelas organizações esquerdistas, justamente porque isso implicaria invadir a competência de outros poderes.
A decisão pode, também, facilitar invasões de espaços públicos por parte de movimentos extremistas que alegam lutar por causas sociais e, além disso, dificultar a atuação da polícia e das guardas municipais, por exemplo, em casos de cenas abertas de uso de drogas, como o da Cracolândia, em São Paulo.
"O traficante da Cracolândia que estiver drogado e depredando um bem público, por exemplo, poderá se amparar nessa determinação? Os moradores de rua que estiverem interrompendo o ir e vir de outros cidadãos, porque quiseram se instalar no meio de uma rua comercial, terão garantidos aquele espaço com essa decisão? Não está claro, e nem poderia estar, porque a fórmula para resolver esse problema não será nunca baseada em uma canetada", critica Vidigal.
Por último, o ministro coloca as autoridades de governos municipais, estaduais e federal nas mãos de membros do Judiciário, que passam a poder estabelecer cronogramas e dar ultimatos aos governantes com base em seus próprios juízos sobre a condução das políticas públicas.
"Qualquer pessoa dotada de um pouco de bom senso e de espírito caritativo tem propensão a ajudar os menos favorecidos, sobretudo aqueles que se encontram em situação de rua ou mendicância. A própria Constituição Federal de 1988 indica em inúmeros pontos a necessidade de apoio estatal àqueles que são desprovidos de meios e condições de levar uma vida digna. Mas a fórmula apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes parece um tanto inexequível, na medida em que ele determina que em 120 dias inúmeros órgãos estatais – federais, estaduais e municipais –, se organizem para regulamentar, fiscalizar e amparar a população em situação de rua – como se fosse possível mobilizar tanta gente em tão pouco tempo", comenta o especialista.
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