Brasília - O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo sobre a possibilidade de interrupção da gravidez em casos de fetos anencéfalos, recuou e afirmou que o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não deve ocorrer ainda neste ano. "Só com muito otimismo manteria a esperança de novembro", disse o ministro, a quem caberá a inclusão do processo na pauta do plenário. Ele mediou ontem a última das quatro sessões da audiência pública que debateu a polêmica. Mello ressaltou a dificuldade de tratar de um assunto tão polêmico, mas garantiu que o STF vai visar no julgamento à preservação da saúde física e psíquica da mulher.
Ao todo, o STF ouviu a opinião de 26 representantes da Igreja, da medicina, da sociedade civil e do governo. A maioria se posicionou favorável ao aborto de anencéfalos: 16 a favor e dez contrários.
O encerramento do debate teve a participação de quatro especialistas. A única contrária à interrupção da gravidez foi a ginecologista e obstetra Elizabeth Kipman Cerqueira. "É mais possível que uma mãe que faça aborto sinta remorso e arrependimento, mas a mãe que leva a gravidez até o fim, ou até a morte espontânea, ela não vai ter remorso de ter feito o que pôde enquanto pôde", afirmou Elizabeth.
Já a socióloga Eleonora Menecucci de Oliveira defendeu que a escolha deve ser dos pais. Ela lembrou que nem todas as mulheres preferem a interrupção, mas diz acreditar que as que optarem pelo aborto devem estar protegidas pela lei. "Não é possível a lei garantir os direitos de só uma parte das mulheres."
O advogado da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde Luiz Roberto Barroso comparou a proibição a uma tortura imposta pelo Estado. "É autoritarismo do Estado achar que tem o direito de invadir a privacidade do casal e dizer que 'vocês vão ter que ter esse filho'", afirmou. O membro da Associação Brasileira de Psiquiatria Talvane Marins Moraes afirmou, baseado em estudos, que a saúde mental da mulher fica comprometida ao ser obrigada a manter uma gravidez inviável. Segundo o psiquiatra, a mulher pode desenvolver depressão, estresse pós-traumático e até cometer suicídio. Moraes fez questão de ressaltar que não é uma gravidez indesejada e sim impossível de resultar em vida. A ministra Nilcéia Freire também defendeu o direito de escolha da mãe. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o quarto no mundo em números de fetos anencéfalos, motivo suficiente para a ministra considerar os casos como questão de saúde pública.