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Dois defensores públicos estão sendo perseguidos por se posicionarem a favor dos direitos do nascituro e contra o aborto. Em Piauí, movimentos feministas entraram com uma representação na Corregedoria Nacional de Justiça contra a defensora que atuou no caso da menina grávida de 11 anos. No Distrito Federal, para não sofrer sanções disciplinares, outro agente público foi obrigado a assinar três Termos de Ajustamento de Conduta por se posicionar contra o aborto em algumas ações.
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No caso de Karla Cibele Teles, defensora pública há mais de 19 anos e titular do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente, o assédio começou quando ela foi nomeada como curadora do nascituro no caso da menina de 11 anos grávida pela segunda vez, vítima de estupro, em Teresina. Ao atestar que a menina de 11 anos não corria risco de vida e que o bebê já tinha 6 meses (ou seja, era viável fora do útero), Teles defendeu as duas vidas, lembrando a possibilidade de adoção ao final do processo.
Mesmo assim, diversos movimentos feministas atacaram a atuação de Teles e a decisão da Justiça que acabou por impedir o aborto de acordo com o previsto na legislação brasileira, salvando as duas vidas. Organizações feministas e pró-aborto, como o Intituto Anis, que já recebeu R$ 5,2 milhões dos governos petistas, pediram providências ao Conselho Nacional de Justiça, no início de fevereiro, sobre supostas irregularidades cometidas no caso. Os grupos alegaram que a nomeação de um curador especial do nascituro (uma espécie de advogado de defesa do bebê) geraria insegurança jurídica e violaria garantias fundamentais.
Apesar dos argumentos das organizações feministas, a nomeação de um curador para o nascituro não afronta a legislação brasileira. O Código Civil, em seu artigo 2°, depois de estabelecer que a personalidade civil da pessoa começa com o nascimento, salvaguarda, no mesmo dispositivo, os direitos do nascituro desde a concepção.
“Essa questão de nomeação de curador tem começado a acontecer. Isso era algo que já deveria estar acontecendo há muitos anos. Existe, sim, respaldo jurídico. Inclusive, aqui no Rio de Janeiro, existe uma lei que altera a lei orgânica para incluir a atribuição do defensor público de atuar como curador do nascituro nos processos que ele estiver envolvido”, afirma Lília Nunes dos Santos, advogada e mestre em Direitos Humanos e autora do livro A atual discussão sobre a descriminalização do aborto no contexto de efetivação dos Direitos Humanos.
Além dos movimentos feministas, defensoras públicas favoráveis ao aborto nos estados de Santa Catarina, São Paulo, Roraima, Rio de Janeiro, Piauí, Mato Grosso, Ceará, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul, Bahia, Tocantins, Paraíba e Rondônia apresentaram uma nota técnica que ignora o artigo 2º do Código Civil e critica a atuação da Defensoria Pública do Piauí em defesa do não nascido.
Karla afirma que atuou respeitando a missão constitucional da Defensoria que prevê a promoção e a ampla defesa dos direitos fundamentais dos mais necessitados. “Minha atuação foi realizada em conformidade com o dever constitucional e legal, ético, humanitário e humano de levar em conta todas as situações sob um olhar imparcial, técnico e visando sempre o bem-estar de todos os envolvidos, inclusive o assistido nascituro”, destacou.
Para refutar as feministas, uma petição pública foi organizada em prol da defensora. Segundo Karla Cibele, a iniciativa também será enviada ao Corregedor Público do Piauí para auxiliar em sua defesa. Até o momento, conta com mais de 3.800 assinaturas.
A Corregedoria Nacional de Justiça informou que não houve decisão sobre o pedido de providências.
“Defender o nascituro se tornou um tabu na Defensoria”
Karla não é a única defensora pública que sofre consequências por defender a vida desde a concepção e o direito a ampla defesa. O defensor público do Distrito Federal, Danilo de Almeida Martins, também está sendo perseguido por apresentar dois pedidos para ser parte em ações, uma delas na qualidade de custos vulnerabilis ("guardião de vulneráveis", papel constitucional utilizado pela DPU em outros casos) em favor dos nascituros.
No primeiro caso, Martins questionou pedido do Ministério Público Federal (MPF) para que a Declaração de Óbito deixasse de ser exigida nos casos de "abortos induzidos previstos em lei" feitos no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (MG). A retirada dessa exigência facilita a clandestinidade do aborto e do teleaborto, principalmente quando a gestação é avançada e já se transforma em infanticídio, já que o bebê é viável fora do útero.
Norma do CFM determina que o documento de óbito deve ser preenchido pelo médico, em casos de aborto, quando se der uma das seguintes hipóteses: a partir de 20 semanas de gravidez; peso corporal do feto igual ou superior a 500 gramas; ou quando a estatura do bebê abortado for igual ou superior a 25 cm. A Declaração de Óbito é exigida para que se possa fazer um sepultamento no Brasil.
“Eu ingressei nessa ação para que seus corpos não fossem descartados no lixo hospitalar”, afirmou Martins.
Em outro caso, o defensor encaminhou uma recomendação ao MPF para tentar impedir que ocorresse o aborto aos sete meses de gestação de outra menina de 11 anos, em Santa Catarina. A criança gestante não corria risco de vida e o bebê também já era capaz de sobreviver fora do útero. Pela atuação nesse caso, que ainda está sendo investigado, o defensor sofreu uma série de penalizações.
“Em razão dessas atuações e de seus desdobramentos, fui representado por alguns colegas na corregedoria e tive que assinar três Termos de Ajustamento de Conduta para não sofrer sanções disciplinares”, relatou. Esse termo é um instrumento que tem o intuito de impedir a continuidade de uma possível ilegalidade e evitar a ação judicial.
Apesar dos direitos do feto serem salvaguardados pelo Código Civil, o defensor ressaltou que não é o que acontece na prática. “Defender o nascituro que é o mais vulnerável dos vulneráveis se tornou um tabu na defensoria”, destacou.
Ele também citou os grupos pró-aborto que foram contra a atuação da defensora pública no caso de aborto em Teresina. “Esses grupos de defensores públicos que foram contra a atuação dela como curadora do nascituro estão simplesmente negando o princípio da ampla defesa, algo que é da essência de nossa função. É como se médicos processassem um colega porque ele tentou salvar a vida de alguém. É um absurdo sem igual", disse.
"Não sabem dialogar com quem pensa de forma diferente e, por isso, preferem excluí-las de suas vidas. O pior é que não medem as consequências para alcançar esse objetivo”, complementou.
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