Os cinco defensores públicos federais que fizeram uma recomendação ao Ministério da Saúde - para que informações sobre os possíveis efeitos colaterais das vacina infantil contra Covid-19 da Pfizer fossem informados aos pais - são alvo de uma representação movida por outros defensores públicos. O documento alega que defensores federais teriam praticado “infração disciplinar” ao fazer a recomendação ao ministério. Isso teria causado “prejuízos inestimáveis à imagem da Comissão de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente (Condege), e à infância brasileira”. Não é a primeira vez que defensores públicos têm suas posições questionadas por colegas.
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A representação contra os defensores federais foi encaminhada no dia 2 de fevereiro ao corregedor-geral da Defensoria Pública da União (DPU), Fabiano Caetano Pretes. Ela é assinada por seis defensores públicos estaduais, ligados às defensorias dos estados do Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo. A representação será avaliada pelo Conselho Superior do DPU, que irá decidir se será aberto um processo administrativo disciplinar contra os defensores federais citados ou se a representação será arquivada. Não há prazo para essa decisão.
No dia 7 de janeiro, cinco defensores públicos da União, lotados em Goiás, enviaram uma recomendação ao Ministério da Saúde, solicitando que informações sobre a vacina da Pfizer, até então a única autorizada para aplicação em crianças, tivessem publicidade em todo o Brasil. A medida seria uma forma de dar mais condições para os pais de decidirem sobre a vacinação ou não de seus filhos.
Mas outro grupo de defensores estaduais não gostou da recomendação. Agora, eles pedem a abertura de um procedimento administrativo disciplinar contra os cinco defensores federais. No documento, o grupo alega que a recomendação conteria “afirmações objetivamente contrárias à realidade, que, na avaliação dos subscritores, causaram prejuízos inestimáveis à imagem da Comissão de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente (Condege), e à infância brasileira”.
Vacina experimental
Um dos pontos questionados pelos defensores estaduais é a associação do termo “experimental” à vacina da Pfizer. Segundo eles, o caráter experimental da vacina não estaria sustentada em “nenhuma fonte de informação técnica, mas somente em ilações e conjecturas dos signatários [os cinco defensores federais]”. Para confirmar sua posição, eles citam uma declaração da diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Meiruze Sousa Freitas, feita ao portal Terra. Em entrevista ao veículo, a diretora afirmou que “não há nenhuma vacina experimental sendo aplicada no país".
Na recomendação feita em janeiro, os defensores federais citam o parecer público de avaliação da vacina contra Covid-19 da Pfizer, documento que autorizou o registro definitivo da vacina no Brasil. O documento, elaborado pela Anvisa, segundo os defensores federais, seria “peremptório em afirmar que, apesar do registro definitivo, a citada vacina ainda está em sua fase experimental (‘em desenvolvimento’), encontrando-se atualmente na fase III do ensaio clínico, cujo fim será em dezembro de 2023”.
Filiação ao Condege
Os defensores estaduais ainda questionam o fato de um dos defensores federais ter-se apresentado como membro da Comissão Especial de Promoção e Defesa das Crianças e dos Adolescentes (Condege). Para os defensores estaduais, isso teria sido uma ação deliberada para dar mais “autoridade” para a recomendação. Na justificativa deles, citar a Condege teria dado mais peso à recomendação, o que teria desestimulado o processo de vacinação das crianças, “em prejuízo à saúde individual e coletiva, como também, infelizmente, tem feito alguns parlamentares e ocupantes de cargos eletivos no Poder Executivo”.
Em resposta a essas alegações, o defensor público federal Danilo de Almeida Martins, um dos citados no pedido de representação feito pelos defensores estaduais, ressalta que foi a própria Condenge, de forma unilateral, que rompeu com a Defensoria Pública da União (DPU) e não avisou seus membros. Há, inclusive, uma portaria, expedida pelo gabinete do defensor público-geral federal em 23 de junho de 2021, que designa Martins ao cargo de representante da DPU no Condege. Assim, não haveria má-fé na citação ao Condege feita na recomendação ao Ministério da Saúde em janeiro.
Os defensores estaduais aproveitam o pedido de representação para questionar também a posição dos defensores federais sobre a não obrigatoriedade da vacina em crianças. No texto dirigido ao Ministério da Saúde em janeiro, os cinco defensores federais lembraram que a vacina não é obrigatória, mesma posição, aliás, do próprio Ministério da Saúde. Mas já para os defensores estaduais, a vacina seria, sim, obrigatória, mesmo que isso contrarie diversos entendimentos legais, como já mostrou a Gazeta do Povo.
Questão política
Para Martins, as discussões sobra vacinação têm sido sido contaminadas pela polarização política, o que leva a ações equivocadas, como a representação movida contra ele e seus colegas da DPU. "Só porque nossa recomendação foi elogiada pelo presidente da República, estão tentando de todas as formas nos prejudicar atacando a maior garantia de nossa função, que é a independência funcional", ressalta o defensor federal.
De acordo com ele, a recomendação visava, tão somente, que fosse dada a devida publicidade sobre a questão da vacinação de crianças, para que cada pai e mãe pudesse tomar sua livre decisão. "As pessoas mais humildes, que não têm acesso à internet ou a outras fontes de informação, também têm direito de saber dados que são essenciais para elas decidirem se seus filhos devem ou não tomar a vacina", explica ele.
Defensores estaduais
A reportagem tentou contato com as defensorias públicas dos estados do Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo para pedir um posicionamento sobre a recomendação. Até o horário de publicação desta reportagem, apenas a Defensoria Pública do Paraná enviou uma nota oficial sobre o caso.
Segundo o texto enviado pela assessoria de imprensa da DPE-PR e assinado pelo defensor público Fernando Redede Rodrigues, coordenador do Núcleo da Infância e Juventude (NUDIJ) da Defensoria Pública do Estado do Paraná, não seria possível “adentrar nas fundamentações de fato e de direito expostas na representação em respeito ao artigo 150 da Lei 8.112/1990, que impõe o sigilo aos procedimentos disciplinares no âmbito federal”.
Ainda assim, Rodrigues, um dos defensores estaduais que assina a representação contra os defensores federais, reafirma que a recomendação dos colegas da DPU ao Ministério da Saúde “contém afirmações objetivamente contrárias à realidade dos fatos”. Segundo ele, em sua avaliação jurídica, isso teria causado danos à imagem do Condege e à política de proteção à infância, “o que demandou a devida representação à Corregedoria-Geral da Defensoria Pública da União, órgão público competente para apurar se houve ou não infração disciplinar no caso”.
A defensoria do estado do Mato Grosso respondeu que uma nota conjunta estaria sendo elaborada e seria enviada na sequência à reportagem - o que não ocorreu até a publicação da matéria. Já as da Bahia e Rio de Janeiro retornaram o contato e pediram mais informações, mas não enviaram respostas até a publicação da reportagem.
Na terça-feira (15), a assessoria de imprensa da Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM) enviou uma nota à reportagem. No texto, a assessoria ressalta que os defensores federais foram alvo da representação “por terem cometido a falta disciplinar de se declararem membros da Comissão da Infância e Juventude do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) e terem mandado ofício em nome desta, sem de fato serem membros, tão pouco terem legitimidade para falar em nome da comissão”.
De acordo com a nota, a postura do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (Nudeca) do DPE-AM, coordenado pela defensora pública Juliana Lopes, é “totalmente a favor da vacinação das crianças e contrária a qualquer iniciativa que pretenda justificar não vaciná-las. Ao fazerem a recomendação ao Ministério da Saúde, os defensores citados falaram em nome de uma entidade a qual não representam”, finaliza o texto.
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