Com a lotação pelo menos cinco vezes acima do normal, lidar com as tentativas de fuga, a sensação de insegurança e tensão dia e noite é rotina nas delegacias do Paraná há tempos. Segundo policiais civis que atuam nessas “bombas-relógio”, as carceragens estão um caos e muito perto de explodir desde o dia 15 de janeiro deste ano, quando 28 detentos fugiram da Penitenciária Estadual de Piraquara 1 (PEP1).
De acordo com um policial da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV), no bairro Jardim Botânico, que preferiu não se identificar, o número de transferências para os presídios diminuiu depois da fuga na PEP1. Com isso, detentos que deveriam permanecer na carceragem temporária por alguns dias têm ficado ali durante semanas e até meses, superlotando ainda mais as celas. Ao todo, 9.726 presos aguardam vagas no sistema prisional paranaense.
“Com a queda nessas transferências, só foram entrando presos sem sair ninguém. Estamos com 60 detentos em um espaço para 12 e, só nos últimos dias, tivemos que conter três tentativas de fuga”, afirmou o policial da DFRV. Os problemas são os mesmos na Delegacia de Colombo. Lá, as celas com capacidade para 24 detentos abrigam mais de 80 e as tentativas de fuga também se tornaram frequentes. “É uma situação crônica que o estado precisa resolver”, definiu um policial.
A situação é tão grave que, segundo o Ministério Público do Paraná (MP-PR), no 8º Distrito Policial, no Portão, existem 40 preso no espaço adequado para apenas dois, uma superlotação de 1.900%. “Os responsáveis pela administração do sistema no estado do Paraná preferem não superlotar o seu deficitário sistema penitenciário, mas não se importam em amontoar pessoas nas delegacias de polícia. Isso acontece porque o custo político de um possível motim em uma penitenciária com mil presos é muito maior do que o custo político de uma rebelião em uma delegacia do interior”, avalia o promotor de Justiça André Tiago Pasternak Glitz, que atua na área de Execução Penal do MP-PR.
Manter os presos nas delegacias pode até evitar massacres como os que ocorreram no começo do ano em Manaus (AM), Monte Cristo (RR) e Alcaçuz (RN) . Entretanto, o promotor garante que essa opção é ineficiente e contraria a Lei de Execução Penal em vários aspectos. Um deles é o fato de que a carceragem de uma delegacia está longe de ser o ambiente adequado para a pessoa privada de sua liberdade. “As celas são pequenas, insalubres e não foram projetadas para esta finalidade. Lá, os presos provisórios são colocados junto com condenados, falta segurança, há carência de assistência jurídica, social e educacional, e não existe higiene”, pontua.
Esses fatores geram risco à segurança de policiais e da população, já que muitas delegacias se situam em áreas centrais de grandes cidades, e ainda acarretam problemas de saúde aos presos, como tem acontecido na Delegacia de Campina Grande do Sul. Lá, mais de 50 detentos ocuparam o espaço destinado para oito logo depois que os presos de Quatro Barras cavaram um túnel e fugiram em janeiro. “Por causa do calor e da umidade, muitos deles apresentam problemas de pressão e doenças respiratórias, lembrando que também não tomam sol porque não temos infraestrutura para oferecer isso”, contou um funcionário.
Outro problema que torna as carceragens nas delegacias ilegal é o que ocorre na DFRV, onde há só um agente atende todos os prisioneiros. “É muito trabalho para apenas uma pessoa, então os investigadores precisam controlar as celas o tempo todo para encontrar os buracos que eles cavam e ainda redobrar a atenção nos momentos de distribuição de marmitas e visitas porque sempre tem um preso que sai correndo tentando fugir nessas oportunidades”, afirmou um policial.
O Ministério Público tem ciência da situação e está tomando medidas para a remoção de presos das delegaciass. “Há hoje, em todo o Paraná, 60 ações civis públicas desta natureza em andamento e também 15 pedidos de interdições administrativas de carceragens de delegacias de polícia”, revela o promotor André Tiago Pasternak Glitz.
Além disso, Glitz informa que o MP-PR tem solicitado ao governo mais transparência quanto à construção e ampliação das unidades penitenciárias. “A União já disponibilizou desde 2011 o valor de R$ 116,8 milhões ao Paraná para construção e ampliação das unidades, criando 6.756 novas vagas no sistema penitenciário paranaense. Porém, a falta de transparência na divulgação do andamento destas obras tem dificultado a fiscalização por parte do MP”, analisou.
Transferências
A Secretaria de Estado de Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp) admite os problemas nas delegacias. Por isso, o objetivo do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen) é zerar o número de presos em delegacias até dezembro.
No entanto, como o sistema prisional do estado está lotado, a solução encontrada é construir novas cadeias e ampliar as existentes. “Faremos 14 obras de unidades prisionais. Assim, teremos em todo o estado o que já conseguimos em Cascavel e Londrina, onde demolimos as carceragens das delegacias”, informou, em nota.
Além disso, outra alternativa que vem sendo utilizada é a adoção das tornozeleiras eletrônicas para os presos que cometeram crimes de menor potencial ofensivo. De acordo com a Sesp, eles são monitorados por 11 satélites do Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), que verificam se estão dentro do perímetro permitido. “Enquanto um preso no sistema custa R$ 3 mil, a tornozeleira tem o valor de R$ 250 e grande eficiência, pois o preso tem oportunidade de ressocialização ao continuar perto da família e trabalhar”.
A Sesp informa ainda que o Comitê de Transferência de Presos (Cotransp) tem se reunido semanalmente com representantes do Poder Judiciário e do Ministério Público para autorizar a transferência de presos das delegacias para o sistema prisional. No entanto, a pasta ressalta que isso só acontece à medida que presos saem do sistema e abrem vagas para novos detentos. A média semanal é de 125 transferências em todo o Estado, número considerado muito baixo para desativar a “bomba-relógio” armada atualmente em cada delegacia.
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