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| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo/Arquivo

Um medicamento que ajude a combater o câncer de mama em estágio avançado pode ser, muitas vezes, a última esperança para pacientes. No Brasil, a lentidão na incorporação de tratamentos de ponta no Sistema Único de Saúde (SUS) pode estar reduzindo a expectativa de vida de mulheres que dependem do governo para tratar a doença. Quando comparada a pacientes que têm acesso a plano de saúde, a mortalidade ao longo de dois anos dobra, aponta um estudo publicado recentemente no Journal of Global Oncology.

Pacientes buscam judicialização do tratamento

Na linha de frente dos tratamentos de oncologia, médicos precisam lidar com a posição do governo em relação aos medicamentos disponíveis no SUS e a expectativa dos pacientes quanto às chances de cura da doença.

Segundo Gilberto Amorim, da SBOC, muitos especialistas vivem uma “militância dupla”, ao atuarem em planos de saúde e no SUS. “É complicado para o médico que sabe que há um medicamento que pode controlar a doença, mas que não está disponível gratuitamente. Ele vai ser ético com a paciente ou com o governo, omitindo a informação sobre o tratamento?”, questiona.

Em muitos casos, relata o médico, há a prescrição do trastuzumabe ainda no SUS e a paciente é orientada a procurar a Justiça para receber a dose. “É um caminho difícil porque não há garantia de que a paciente vai receber o remédio por liminar”, reforça.

Hoje, uma ampola de trastuzumabe custa cerca de R$ 3 mil. O valor, conforme a SBOC, é um dos menores praticados no mundo para a compra do medicamento. No Paraná, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (Sesa), 35 pacientes receberam trastuzumabe em 2015 após entrarem na Justiça. As ações demandaram R$ 7,1 milhões em 924 ampolas. O governo estadual também precisou cadastrar nove pacientes para receber 109 ampolas de pertuzumabe, a um custo de R$ 803,6 mil no mesmo ano. Segundo a assessoria de imprensa da pasta, ainda não houve ressarcimento dos valores pelo Ministério da Saúde.

Intitulada “Perda prematura de vidas devido à falta de acesso a terapia anti-HER2 no Sistema Público de Saúde”, a pesquisa, conduzida por oncologistas de várias instituições, entre elas a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), mensura óbitos por falta de acesso a medicamentos mais avançados no SUS. O estudo analisou casos envolvendo mulheres diagnosticadas com câncer de mama HER2 positivo, cujas terapias monoclonais mais avançadas passam pelos medicamentos trastuzumabe e pertuzumabe.

O estudo prevê que cerca de 58 mil de mulheres devem ser diagnosticadas com câncer de mama neste ano no Brasil. Deste total, 2.008 podem ser acometidas pelo subtipo HER2 positivo da doença em estágio mais avançado. Após dois anos, 808 podem estar vivas se forem tratadas apenas com quimioterapia, o atual cenário do SUS. Se o uso de trastuzumabe fosse incorporado, o número de pacientes vivas poderia subir para 1.408. Já quando tratadas com quimioterapia, trastuzumabe e pertuzumabe, a estimativa é de que 1.576 pacientes sobrevivam à doença. A taxa de mortalidade passaria de 60%, na primeira situação, para 30% e 22%, respectivamente, com acesso a medicações de alto custo.

Um dos médicos que desenvolveram a pesquisa, o membro da diretoria da SBOC Gilberto Amorim, explica que esse é um exemplo da associação de outras tecnologias que podem trazer resultados eficazes no tratamento oncológico e que ainda não estão totalmente incorporadas pelo SUS. “Os planos de saúde usam o trastuzumabe desde 2005, mas o SUS só começou a fazer essa incorporação em 2013”, comenta.

Na rede particular, observa Amorim, a medicação é disponibilizada para todos os casos de HER2 positivo, mas as pacientes em estágio avançado estão privadas de receber esse tratamento na rede pública. O mesmo ocorre com o pertuzumabe, disponível desde 2013. A eficiência dos medicamentos, entretanto, já foi comprovada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

No SUS, a condução dos tratamentos ofertados é gerida pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias, órgão que aprova os novos medicamentos no Ministério da Saúde. “O processo de incorporação tem sido questionado. Muitas vezes, querem que entidades submetam a medicação a uma análise fármaco-econômica, mas é o próprio governo que deve buscar esse tipo de negociação”, afirma Amorim.

Para ele, falta clareza na forma como o que é disponibilizado nos tratamentos é estabelecido, se por critérios de custo-benefício ou evidências científicas. Outra dúvida frequente, conforme o médico, é o motivo da demora na incorporação de tecnologias em saúde que já são frequentes no sistema público de outros países, incluindo toda a América Latina. “A segurança destes medicamentos é comprovada, tanto que países africanos pobres os recebem da OMS. Mas o Conitec ainda diz que não é eficaz”, destaca Amorim.

Oferta de tratamentos depende de avaliação, diz ministro da Saúde

Toda incorporação de tratamento no SUS precisa passar por avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec). É o órgão que irá definir se o tratamento em questão será submetido à consulta pública ou não. Conforme o Ministério da Saúde, as deliberações da Conitec são tomadas com base na existência de evidências científicas de eficácia, efetividade, segurança e de estudos de avaliação econômica da tecnologia proposta, em comparação às demais incorporadas anteriormente, além da relevância e impacto da nova incorporação ao SUS.

“O fato de outras agências de saúde de outros países terem confirmado a eficácia do medicamento, não quer dizer que ele será incorporado automaticamente aqui”, afirma o ministro da Saúde, Ricardo Barros, sobrea disponibilização do trastuzumabe a pacientes com câncer de mama em estágio avançado.

O ministro observa que o trastuzumane e pertuzumabe seguem em processo de avaliação pela Conitec e que, enquanto isso, têm sido objeto de judicialização. A compensação dos estados que ofertam o medicamento após decisão judicial é vista, segundo ele, “caso a caso”. Pela lei, o tratamento de oncologia é responsabilidade da União.

De acordo com Barros, o governo federal está atualizando uma série de protocolos terapêuticos. A medida tem como objetivo modernizar tratamentos adotados pelo SUS. Cinco de 12 protocolos estão em fase de consulta pública. Fazem parte da lista tratamentos contra hepatite B, doenças renais crônicas, anemia, doença falciforme, um tipo de aneurisma, além de procedimentos específicos para quem passa por transplante hepático, cardíaco ou de pulmão.

No caso dos tratamentos contra câncer, devem passar pelo plenário da Conitec e consulta pública dois usos para o medicamento Rituximabe (para linfoma não Hodgkin Difuso de grandes células e Linfoma não-Hodgkin folicular) e Bevacizumabe para câncer de colo do útero persistente, recorrente ou metastático.

Disponível

Hoje, o Ministério da Saúde oferece, por meio do SUS, dez tipos de medicamentos para nove tipos de cânceres - dactinomicina, dasatinibe 100mg e 20 mg, l-asparaginase, mesilato de imatinibe 100mg e 400 mg, nilotinibe, rituximabe e trastuzumabe. Em 2015, foram gastos R$ 717,2 milhões na compra desses medicamentos e, em 2016, até agosto, foram R$ 419,9 milhões, de acordo com o órgão.

Ainda conforme o Ministério da Saúde, a pasta ampliou em 68% os recursos para tratamentos oncológicos, passando de R$ 2,1 bilhões em 2010 para R$ 3,5 bilhões em 2015. Nesse período, também cresceu em 34% o número de pessoas atendidas com câncer no SUS – 292,9 mil para 393 mil em 2015.

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