Um medicamento que ajude a combater o câncer de mama em estágio avançado pode ser, muitas vezes, a última esperança para pacientes. No Brasil, a lentidão na incorporação de tratamentos de ponta no Sistema Único de Saúde (SUS) pode estar reduzindo a expectativa de vida de mulheres que dependem do governo para tratar a doença. Quando comparada a pacientes que têm acesso a plano de saúde, a mortalidade ao longo de dois anos dobra, aponta um estudo publicado recentemente no Journal of Global Oncology.
Intitulada “Perda prematura de vidas devido à falta de acesso a terapia anti-HER2 no Sistema Público de Saúde”, a pesquisa, conduzida por oncologistas de várias instituições, entre elas a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), mensura óbitos por falta de acesso a medicamentos mais avançados no SUS. O estudo analisou casos envolvendo mulheres diagnosticadas com câncer de mama HER2 positivo, cujas terapias monoclonais mais avançadas passam pelos medicamentos trastuzumabe e pertuzumabe.
O estudo prevê que cerca de 58 mil de mulheres devem ser diagnosticadas com câncer de mama neste ano no Brasil. Deste total, 2.008 podem ser acometidas pelo subtipo HER2 positivo da doença em estágio mais avançado. Após dois anos, 808 podem estar vivas se forem tratadas apenas com quimioterapia, o atual cenário do SUS. Se o uso de trastuzumabe fosse incorporado, o número de pacientes vivas poderia subir para 1.408. Já quando tratadas com quimioterapia, trastuzumabe e pertuzumabe, a estimativa é de que 1.576 pacientes sobrevivam à doença. A taxa de mortalidade passaria de 60%, na primeira situação, para 30% e 22%, respectivamente, com acesso a medicações de alto custo.
Um dos médicos que desenvolveram a pesquisa, o membro da diretoria da SBOC Gilberto Amorim, explica que esse é um exemplo da associação de outras tecnologias que podem trazer resultados eficazes no tratamento oncológico e que ainda não estão totalmente incorporadas pelo SUS. “Os planos de saúde usam o trastuzumabe desde 2005, mas o SUS só começou a fazer essa incorporação em 2013”, comenta.
Na rede particular, observa Amorim, a medicação é disponibilizada para todos os casos de HER2 positivo, mas as pacientes em estágio avançado estão privadas de receber esse tratamento na rede pública. O mesmo ocorre com o pertuzumabe, disponível desde 2013. A eficiência dos medicamentos, entretanto, já foi comprovada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
No SUS, a condução dos tratamentos ofertados é gerida pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias, órgão que aprova os novos medicamentos no Ministério da Saúde. “O processo de incorporação tem sido questionado. Muitas vezes, querem que entidades submetam a medicação a uma análise fármaco-econômica, mas é o próprio governo que deve buscar esse tipo de negociação”, afirma Amorim.
Para ele, falta clareza na forma como o que é disponibilizado nos tratamentos é estabelecido, se por critérios de custo-benefício ou evidências científicas. Outra dúvida frequente, conforme o médico, é o motivo da demora na incorporação de tecnologias em saúde que já são frequentes no sistema público de outros países, incluindo toda a América Latina. “A segurança destes medicamentos é comprovada, tanto que países africanos pobres os recebem da OMS. Mas o Conitec ainda diz que não é eficaz”, destaca Amorim.