O ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi denunciado pela Procuradoria Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira (31), por supostas declarações homofóbicas em uma entrevista de setembro de 2020 ao jornal O Estado de S. Paulo. Autor da denúncia, o vice-procurador-geral da República (PGR), Humberto Jacques de Medeiros, quer enquadrar Ribeiro em um item da Lei do Racismo que prevê uma pena de dois a cinco anos de prisão para o transgressor. Para juristas consultados pela Gazeta do Povo, a denúncia é sintoma de patrulhamento ideológico e favorece uma ditadura do pensamento único.
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Na entrevista, que foi publicada em formato escrito, Ribeiro manifestou de forma confusa a sua opinião sobre a discussão da ideologia de gênero em escolas. No trecho que causou mais polêmica, ao se referir a adolescentes homossexuais, o ministro opina sobre o contexto familiar deles: “São famílias desajustadas, algumas”. Por causa disso, Ribeiro virou alvo de grupos LGBT, e fez um pedido de desculpas público.
Medeiros embasou a sua denúncia na decisão de 2019 do STF que equiparou a homofobia ao racismo. O artigo 20 da Lei do Racismo prevê pena de dois a cinco anos para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” usando meios de comunicação. Com a nova interpretação inaugurada em 2019 pelo Supremo, a discriminação homofóbica também se encaixa nessa lei.
O vice-procurador-geral diz que a declaração do ministro na entrevista "avilta integrantes desse grupo e seus familiares, emitindo um desvalor infundado quanto a pessoas”. Diz ainda que “o denunciado induz o preconceito contra homossexuais colocando-os no campo da anormalidade”. Afirma também que ele “discrimina jovens por sua orientação sexual e preconceituosamente desqualifica as famílias em que criados”.
Em fevereiro de 2021, em depoimento à Polícia Federal, o ministro pediu desculpas pela declaração e disse que não teve a intenção de discriminar homossexuais. Ele também afirmou que, após a repercussão da entrevista, entendeu que poderia ser interpretado de forma equivocada.
A partir de agora, o STF deverá decidir se acata a denúncia da PGR ou não. O ministro Dias Toffoli é o relator do caso.
Denúncia da PGR não deve ser recebida e favorece ditadura do pensamento único, dizem juristas
Afonso Celso de Oliveira, advogado civilista e membro do Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), diz que “é absurdo o oferecimento de denúncia do PGR”.
“O ministro havia dado entrevista a um órgão de imprensa, expressando sua opinião sobre uma questão de família, sobre lares desajustados, em que, evidentemente, existem pessoas de vários matizes: homossexuais, heterossexuais, negros, brancos, pessoas pobres, abastadas… E ele fala, ali, de maneira informal, e não preconceituosa, do desajuste dos lares brasileiros”, explica. “Apenas expressou sua opinião, como religioso que é, como cidadão livre e como profissional na área da educação. Entretanto, o patrulhamento ideológico não perdeu tempo em tentar atribuir ao ministro um comportamento criminoso”, afirma.
Para Oliveira, “estamos vivendo a ditadura da opinião, e a Procuradoria Geral da República, que deveria prestar um serviço mais técnico à nação brasileira, adota este viés ideológico e oferece uma denúncia insustentável”. O pedido, na visão dele, é “contra a liberdade de expressão, contra a liberdade de pensamento, contra a liberdade de crença religiosa de um cidadão brasileiro”.
“Antes de ser ministro, antes de ser uma personalidade pública, ele é um cidadão brasileiro, cuja tutela da liberdade está prevista na Constituição brasileira e nos tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil é signatário”, afirma.
O professor-pesquisador André Gonçalves Fernandes, pós-doutor em Filosofia do Direito, Epistemologia e Antropologia Filosófica, explica que o artigo 20, parágrafo segundo, da Lei do Racismo – no qual o PGR tenta enquadrar o ministro da Educação – exige “vontade de discriminação da vítima ou do conjunto das vítimas”. “Pelas palavras do próprio ministro, percebe-se que há mais uma dificuldade de expressar exatamente o que ele pensa do que um dolo escorreito, lídimo, cristalino contra os homossexuais”.
Como a intenção do ministro não parece cristalina e inquestionável, segundo Gonçalves Fernandes, “não há nem justa causa para recebimento dessa denúncia”. “Ele deve ser absolvido sumariamente, na minha opinião. Se isso vai acontecer, é outra história.”
Para o especialista, a denúncia da PGR é nociva para o futuro da liberdade de expressão no Brasil. “A longo prazo, o excesso interpretativo do MP, movido por um furor persecutório típico de estado policialesco, somado aos influxos da reinante ditadura do relativismo, farão com que o direito inalienável de liberdade de expressão, num primeiro momento, seja mitigado em seu exercício, e, ao cabo, transforme-se no direito de liberdade de expressão do pensamento único, ditado pelo formadores de opinião de plantão e pelo mainstream da reflexão acadêmica”, afirma.
Segundo Gonçalves Fernandes, essa mentalidade favorece que “se pasteurize uma maneira de se pensar sobre si mesmo e sobre as escolhas de cada um”. O objetivo final dessa ditadura do pensamento único, afirma ele, é que “questões morais, filosóficas e até mesmo políticas difíceis sequer surjam.“
Veja a íntegra das falas do ministro Milton Ribeiro que causaram a polêmica
A entrevista do ministro Milton Ribeiro que suscitou a polêmica foi concedida no início de seu mandato ao Estadão. No trecho mais polêmico da conversa, o repórter questiona a Ribeiro se não seria importante fazer discussões, dentro da escola, sobre questões de gênero. O ministro responde:
“Por esse viés, é claro que é importante mostrar que há tolerância, mas normalizar isso, e achar que está tudo certo, é uma questão de opinião. Acho que o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo tem um contexto familiar muito próximo, basta fazer uma pesquisa. São famílias desajustadas, algumas. Falta atenção do pai, falta atenção da mãe. Vejo menino de 12, 13 anos optando por ser gay, nunca esteve com uma mulher de fato, com um homem de fato e caminhar por aí. São questões de valores e princípios.”
Depois, o repórter questiona se esse posicionamento do ministro “não é um choque com o seu compromisso de posse de respeitar a laicidade do Estado na sua gestão”. O ministro contesta:
“Não. Tem muita gente que não é evangélico que também não aceita isso. É uma pauta da sociedade mais conservadora. Se eu estabelecesse, por exemplo, uma regra ‘não vai dar uma aula se o cara é homossexual’… Temos Estados aí que têm professores transgêneros, isso não tem nada a ver comigo. Não terei influência.”
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