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Na semana passada, parlamentares brasileiros entregaram à Organização das Nações Unidas (ONU) um conjunto de denúncias sobre a situação dos presos do 8 de janeiro no Brasil. Iniciativas desse tipo, por uma série de motivos, têm pouca chance de gerar algum efeito além da própria notícia da denúncia em si.
Desde 2020, o apelo a instâncias internacionais contra os abusos do Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido frequente. Em fevereiro daquele ano, o Instituto Nacional de Advocacia (Inad) levou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) uma denúncia contra o ministro Dias Toffoli, que, por decisão judicial, havia obtido acesso a dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas.
Em 2021, o jornalista Allan dos Santos, do Terça Livre, levou ao mesmo órgão uma denúncia contra Alexandre de Moraes, após sofrer diversos tipos de censura e sanções por causa dos inquéritos do Supremo. A assessoria do Terça Livre afirma que, até este momento, o único progresso na tramitação foi um pedido de informação da OEA sobre os recursos ajuizados.
Em 2022, a deputada Carla Zambelli (PL-SP), que foi censurada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), levou seu próprio caso à OEA.
Também no ano passado, provocada por um grupo de advogados que denunciaram uma série de abusos do STF, como a falta de acesso integral aos autos do processo, a CIDH chegou a pedir informações sobre o inquérito das fake news ao tribunal, mas não houve evolução no caso para além disso.
Como já mostraram reportagens da Gazeta do Povo, a CIDH tende a ser mais solícita e rápida quando as pautas em questão são encampadas pela esquerda, como no caso dos esforços pela ampliação do acesso ao aborto no Brasil.
Na ONU, a lógica não é diferente: no ano passado, por exemplo, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas considerou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve seus direitos violados pela Justiça brasileira.
Denúncias só têm efeito com trabalho de longo prazo e pressão política nos organismos
De acordo com Daniela Alves, professora de Relações Internacionais e diretora-executiva do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (CEIRI), somente uma estratégia de longo prazo e com forte lobby político dentro das organizações internacionais pode gerar algum impacto.
Ainda assim, recorda ela, o máximo que se pode obter dessas instituições, em caso de vitória em um processo do tipo, são atos sem caráter prático direto na vida política do país.
A CIDH, por exemplo, precisa antes de tudo definir se há mérito na denúncia – algo que nunca foi feito em nenhum dos casos mencionados. Depois, pode tomar algumas ações, como emitir recomendações ao governo brasileiro, solicitar medidas cautelares ou, nos casos que mais avançam, levar o julgamento à sua Corte.
"Essa Corte não tem o poder de forçar o Brasil a cumprir as suas medidas ou recomendações, ou até mesmo decisões. E a eficácia de qualquer ação tomada por essa Corte depende em grande parte da vontade política do governo do país condenado e da sua disposição para cumprir as normas internacionais", explica.
No caso das violações a direitos humanos, Daniela recorda que nem mesmo em ditaduras latino-americanas a CIDH foi capaz de resolver ou amenizar a situação. "Se eles realmente reagissem com firmeza às violações de direitos humanos, poderiam ter solucionado os problemas de países onde hoje há ditaduras", afirma.
Outro problema, segundo a especialista, é a enorme burocracia desses organismos internacionais. "É um processo muito longo e muito lento. Em primeiro lugar, porque são feitas várias coletas, são muitos debates; a ONU, por exemplo, tem um procedimento burocrático que é extremamente lento. Quando ocorrem negociações na ONU com relação, por exemplo, a tratados internacionais ou qualquer documento, às vezes eles ficam dias, até meses, discutindo a posição de uma vírgula", comenta.
Para o processo avançar, segundo ela, é necessário fazer pressão política dentro dos organismos. "É claro que isso também depende do próprio ambiente político que ali está instaurado, porque os membros dos países que estão representados ali têm interesses políticos. Cada um ali está defendendo uma posição política. É como se fosse um grande parlamento. Não é uma organização que vai analisar pura e simplesmente de uma forma técnica o que está acontecendo. Não, ali também acontecem embates políticos", destaca Daniela.
Outro ponto importante, para ela, é que o trabalho precisa ser contínuo e a longo prazo. "Não basta acionar os órgãos. Tem que haver um trabalho de pressão constante. É como você tentar defender um projeto de lei aqui no parlamento brasileiro: precisa ter uma presença constante, abordar os membros, mostrar qual é a sua visão do problema apresentado, qual é a urgência, por que isso precisa ser levado à frente… Porque senão ele vai sendo deixado de lado, até simplesmente ser arquivado, como acontece em qualquer parlamento".
Para Daniela, no caso dos parlamentares brasileiros que enviaram a denúncia à ONU, "ainda falta uma estratégia para além de dizer que enviaram uma denúncia". "Não adianta só enviar uma denúncia: é necessário um acompanhamento quase que diário para ter algum tipo de retorno", diz.
Por outro lado, na visão da especialista, o que os parlamentares fizeram ao entregar a denúncia não é completamente inócuo politicamente. "As denúncias acabam sendo uma forma de mostrar para a opinião pública que esses parlamentares estão tentando fazer algo", pondera.
Senador Girão quer manter pressão por reação internacional a abusos do STF
Principal articulador da denúncia contra o STF na ONU, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) pretende ir a Genebra em breve e reforçar a pressão para que a ONU analise a denúncia sobre o STF.
Na semana passada, após a visita à sede da ONU em Nova York, meios de comunicação ironizaram o fato de que ele e outros parlamentares tenham ido a essa sede, e não ao secretariado de Genebra, onde fica o Conselho de Direitos Humanos (CDH) da entidade.
Girão esclareceu que a formalização da denúncia pode ser feita virtualmente, e que apenas aproveitou a viagem que já estava fazendo pelos EUA para reforçar a denúncia contra o STF na sede nova-iorquina.
À Gazeta do Povo, a assessoria do senador afirmou que ele pretende ir também a Genebra, em breve, para dialogar com membros do CDH e reforçar a denúncia. Além disso, garantiu que ele manterá "uma ação frequente, perseverante e consistente" nesse sentido.
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